
Quando o upcycling vira negócio: os bastidores da moda feita com reaproveitamento
A estilista Monize Si fala sobre como transforma peças descartadas em roupas únicas usando o upcycling
O upcycling tem ganhado cada vez mais espaço no cenário da moda como uma alternativa sustentável. Em um momento em que consumidores e marcas repensam os impactos ambientais da indústria têxtil, transformar resíduos e peças descartadas em criações de alto valor se tornou não apenas uma prática ecológica, mas também uma estratégia de negócio inovadora.
Um dos grandes destaques dessa tendência é o estilista suíço Kevin Germanier, que brilhou na Semana de Alta-Costura de Paris deste ano com uma coleção inteiramente baseada em materiais reaproveitados.
Estilistas e empreendedores têm apostado nessa abordagem para criar coleções exclusivas e atrair um público mais consciente.
Para entender mais sobre este assunto através dos olhos de quem faz o upcycling acontecer, entrevistamos a empreendedora Monize Si. Ela é dona da marca Estilo Wine, que está baseada na cidade de Manaus e cria peças a partir de materiais reaproveitados.
O que te levou a escolher o upcycling como base do seu modelo de negócio?
Monize: O que fez eu ter o upcycling como base do meu trabalho foi porque eu cresci meio que vivendo isso, né? Minha mãe é uma mulher muito criativa, então ela conseguia transformar uma garrafa PET em poltrona, ela sempre viu muito potencial nas coisas, ela sempre reutilizou coisas.
Minha mãe é costureira desde que me entendo por gente, então eu meio que só continuei isso, só que eu dei uma cara digital. E eu não conhecia de fato o upcycling, só conheci depois que eu abri meu brechó.
Eu estava desempregada e resolvi abrir minha conta no Instagram e repassei as minhas roupas, que inclusive já eram de brechó: brechó de igreja, brechó online, feiras que eu vou até hoje. E assim eu fui conhecendo mais pessoas do brechó, fui pesquisando mais, me aprofundando nisso, foi que eu conheci o upcycling.
A primeira coleção que eu fiz foi de blusas de frio, porque aqui em Manaus é muito quente pra usar essas blusinhas que vêm do sul pra gente, né? Então eu fiz a minha primeira coleção de conjuntos dessas blusas de frio, transformava blusas de tricô de meio, tricô mais grossinho, tricô de lã mesmo, e transformava todas essas blusas em conjuntos.
Foi aí que eu tive a minha primeira coleção de upcycling e comecei a pesquisar mais sobre. No início foi porque eu achei a ideia legal, mas depois eu comecei a pesquisar e pensei: “Caraca, isso aqui é legal mesmo”, e traz uma importância pro nosso trabalho e pra nossa forma de olhar para a moda sustentável.

Então eu acabei gostando mesmo. E aí mudou minha perspectiva da moda e do mundo, e também porque eu tenho esse ar de querer fazer diferença e ser diferente, né? O upcycling tem muito isso de peças únicas, exclusividade. Eu já vivia isso, me apaixonei, me aprofundei e sinto que eu nasci pra esse ramo mesmo.
Quais são os principais desafios para transformar o upcycling em algo economicamente viável?
Monize: Eu vou dar o exemplo da minha saia que eu vou lançar agora, a saia Monster. Ela é feita de vários jeans, então a gente demora muito pra achar essas peças, porque a gente faz o garimpo, faz a curadoria, que tem todo um custo, tem a questão do design, a costura.
E eu acredito que quase todo mundo que trabalha com upcycling, por ser mais trabalhoso, pois é um trabalho manual, não consegue produzir em massa. É muito difícil encontrar uma empresa que trabalhe cem por cento com upcycling. Eu não conseguiria viver só do upcycling agora. Eu acredito que isso seja, futuramente, possível. É uma coisa que eu quero muito que aconteça no mundo.
Mas é por questão disso: do trabalho todo manual e artesanal, e não ter como fazer em massa, diferente de uma empresa que consegue criar uma blusa e, dessa blusa, consegue fazer mais cinquenta. Então dá pra fazer um preço mais acessível pro consumidor. Mas o upcycling não é tão fácil assim de fazer. Aí, colocando na ponta do lápis todo o trabalho manual, a criatividade, pra vender num preço que não vai gerar lucro.

Apesar da gente amar o que faz, a gente precisa ganhar dinheiro pra sobreviver, claro. Mas acredito que seja mais por conta do trabalho manual, o garimpo, a limpeza. Fica um pouco difícil, economicamente, as pessoas vestirem só upcycling.
Eu tenho coleções que são mais fáceis. Eu tenho uma coleção de croppeds que foi sucesso na minha loja. Ela era um preço mais acessível porque era um upcycling mais fácil de fazer, mas ainda tinha a questão do garimpo. Então você tem que ir no lugar, gastar gasolina, voltar, fazer… Então acho que é a questão do trabalho manual mesmo.
Como você precifica as peças, considerando que cada uma é única e feita a partir de materiais reaproveitados?
Monize: A precificação das peças não vem tanto da peça em si garimpada, porque a gente consegue, de vez em quando, numa feira, comprar um jeans mais baratinho; num brechó de igreja, num garimpo, enfim.
A gente consegue fazer essa pesquisa indo nos lugares pra encontrar umas peças legais. A questão da precificação vem mais do material, que é caríssimo: ilhós, correntes, às vezes um zíper. A gente reutiliza zíper, mas às vezes acaba, não encontramos e temos que comprar. Manutenção de máquina, comprar um equipamento novo pra que a gente consiga fazer uma peça que só naquele equipamento dá pra fazer.
Então vem mais do trabalho manual, do equipamento, do que da peça em si.
De onde vêm os materiais usados? Existe uma logística estruturada para a coleta e seleção?
Monize: Os materiais usados a gente garimpa. Eu já tenho uma equipe que me ajuda nos garimpos, eu consigo encontrar peças num lugar, minha equipe encontra em outro. Então a gente se junta depois e faz a curadoria das peças.
Mas o ideal mesmo pra mim é eu sair de casa e, sei lá, tem um brechó de igreja no domingo, eu vou lá, procuro, faço todo o garimpo, e no outro dia tem uma feirinha, então eu vou na feirinha e procuro. Não consigo trabalhar com fardos no momento, porque eu acredito que vem muita coisa que não dá pra reutilizar. Então eu prefiro procurar pra que eu possa encontrar peças boas, pra que eu consiga reutilizar e repassar isso pras minhas clientes.
Claro que, com o fardo, a gente conseguiria encontrar muitas peças que, se não desse pra reutilizar como roupa, daria pra fazer outras coisas, como tapetes e bolsas. Mas como minha loja é voltada pra moda, eu prefiro procurar as peças mais legais pra transformar.
O público consumidor entende e valoriza o custo envolvido nesse tipo de produção?
Monize: Assim, durante esses cinco anos que eu trabalho nesse ramo, observo que ainda existem pessoas que acham que brechó e roupas reutilizadas têm que ser mais baratas. Por ser reutilizada, já ter sido usada por outras pessoas, ainda existem pessoas que têm isso enraizado.
Não é todo mundo, meu público não é assim. Mas ainda tem uma minoria que pensa assim, não só no meu brechó, mas em redes sociais, no TikTok ainda tem muitos comentários sobre isso. Mas eu sempre procuro informar o meu público em relação a isso. Eu procuro também mostrar os meus bastidores, como eu faço, de onde eu comprei, o quanto dá trabalho.
Então cerca de oitenta por cento do meu público deve valorizar isso, eu acredito que valorize. Mas ainda existe uma minoria que comenta: “Ah, prefiro comprar na loja porque é roupa nova, não vou ficar usando roupa de gente morta”, entende? Ainda existe isso sim, mas creio que oitenta por cento do público da minha loja valoriza sim.
Você percebe um aumento no interesse de investidores ou parceiros por negócios com proposta sustentável como o seu?
Monize: Percebo sim. Não sei se é porque eu estou infiltrada nesse mundo da moda sustentável, mas eu percebo sim. Porque eu já sigo muita loja que trabalha só com material reutilizado, né? Eu já sigo perfil que faz pochete de câmara de pneu de moto, de carro, enfim. Já sigo perfil que faz bolsa de plástico com marmita, coisa mais de todo mundo, não só de peça de roupa, mas também de outros materiais. Assim como eu mesma já fiz bolsa de lacre de latinha, roupa de lacre de latinha.

Então eu acredito que as pessoas estão começando a ver isso como uma coisa fashionista. Isso é legal, porque o nosso intuito é mostrar para as pessoas que isso faz bem pro nosso futuro. Vai fazer bem pro nosso futuro, nossos filhos, reutilizar o que já existe na Terra. E mesmo que eles vejam isso de forma: “Ah, isso está na moda, isso está em alta, isso é fashionista, isso é diferente”, isso é bom pra gente.
Então acredito sim, não só as pessoas, mas como muitas empresas. Já vejo até empresas que trabalham com fast fashion que já estão começando a adotar isso. Então é muito legal, porque o upcycling é uma moda futurista. Eu acredito que daqui pra frente só vai aumentar e vai ser show de bola.
Quais estratégias de marketing funcionaram melhor para comunicar o valor do upcycling como proposta de marca?
Monize: Para minha loja, a melhor estratégia de marketing foi mostrar os bastidores do meu trabalho. Mostrar eu indo nos garimpos, como é difícil encontrar uma peça única, e fazer a criação do conteúdo mostrando todo o processo das peças, de uma bolsa, de uma jaqueta estilizada.
Essa foi a melhor forma de comunicar aos meus clientes. Vendo como isso funciona, eles acabam compreendendo melhor o valor de uma peça de upcycling. Então, pra mim, não teve forma melhor do que a criação de conteúdo mostrando a vida real, o trabalho real.
Existe alguma dificuldade em competir com marcas de moda convencional em termos de preço, tempo de produção ou variedade?
Monize: Eu vou dizer que sim, mas também vou dizer que não. Tenho meu público, né? Pessoas que me seguem e gostam do meu estilo de moda, do meu estilo de roupa. Digo que sim porque a gente não consegue produzir em tanta variedade, né?
Mas acredito que é uma coisa que acontece mesmo, não tem o que fazer. É trabalhar, fazer o máximo que a gente pode e vender pra quem quer comprar, e explicar pra quem não entende. Eu, pelo menos, acredito que eu já converti muita menina pra moda, porque eu trago essa coisa mais jovial, uma coisa mais moderninha assim pro upcycling.
Então eu acredito que é trabalhando e explicando que a gente consegue vender. Eu não sou muito de olhar se eu tô vendendo muito, se eu tô vendendo pouco, em relação a lojas de fast fashion convencionais. Então eu acredito que sim e não.
Quais são os próximos passos para crescer o negócio mantendo a integridade sustentável do upcycling?
Monize: Olha, sendo bem sincera, eu não faço muito plano assim pro futuro. Eu acredito muito que o amor pelo o que eu faço vai me direcionando.
Eu acredito assim: eu lancei uma coleção, quando eu tiver que lançar outra, vou ter uma ideia. Porque eu acredito que a moda sustentável, o upcycling, é um conteúdo infinito. Ele é uma moda infinita, até porque tem muita peça no planeta descartada.
Então a gente sempre vai arranjar uma forma de trazer algo novo e manter o upcycling nisso. Uma saia estilizada, uma calça, um vestido, um chapéu, uma bolsa. Então, os próximos passos são continuar trabalhando para ter mais ideias. Quanto mais ideias eu tenho, mais ideias vêm. É isso.
Escrito por: Ana Larissa Caetano | Editado por: Giovana Sedano

