Tendências

Marcas de fast fashion tentam se reinventar com discurso sustentável

Setor começa a adotar práticas circulares e produtos inteligentes, mas especialistas alertam: mudanças precisam atingir o modelo de negócio

Symone B. Rech | Consultora em Negócios de Moda

No epicentro de uma indústria historicamente marcada pelo desperdício, velocidade e excessos, um movimento de reinvenção começa a ganhar força: o fast fashion — sinônimo de consumo desenfreado e produção acelerada — tenta agora se reconfigurar com uma nova proposta. Sustentabilidade deixou de ser diferencial para se tornar imperativo, e algumas marcas, antes vistas como vilãs ambientais, começam a sinalizar uma mudança de rota.

Mas será isso suficiente?
Segundo Symone Rech, especialista em negócios de moda e fundadora da plataforma de tendências New & Now, as transformações necessárias vão muito além do uso de tecidos orgânicos ou reciclagem de embalagens. “Se o problema da moda fosse apenas a matéria-prima, a gente já teria resolvido. O problema real é o modelo de negócio baseado em volume, velocidade e descarte rápido. É preciso reinventar toda a lógica de produção, consumo e relacionamento com o cliente”, afirma.

A lógica invertida da Patagônia
Entre os exemplos que ilustram essa virada de chave está a norte-americana Patagonia, frequentemente citada como um case pioneiro em moda sustentável. Desde 1996, quando adotou o algodão orgânico, a marca vem desafiando o senso comum. Sua jaqueta fleece feita de garrafas PET recicladas tornou-se um ícone, mas o verdadeiro ponto de inflexão veio em 2011 com a campanha “Don’t Buy This Jacket”, veiculada na Black Friday. A provocação — pedindo que consumidores reconsiderassem a necessidade de novas aquisições — gerou polêmica, mas impulsionou um aumento de 30% nas vendas no ano seguinte.
“O que a Patagônia mostra é que sustentabilidade autêntica não espanta o consumidor, ela o atrai. Quando a marca alinha discurso e prática, constrói lealdade. Sustentabilidade não é um freio, é um novo motor de crescimento”, explica Symone.


Produtos inteligentes e a reinvenção da utilidade

Uma das principais apostas para tornar a moda mais sustentável é o desenvolvimento de produtos inteligentes — peças que entregam mais valor com menor impacto e volume. A lógica é simples: em vez de estimular trocas constantes de guarda-roupa, oferecer roupas funcionais, duráveis e atemporais.

A japonesa Uniqlo é referência nesse modelo, com suas linhas Heattech e Airism, que ajustam a temperatura corporal de acordo com o clima. Essas tecnologias oferecem conforto térmico em diferentes estações, reduzindo a necessidade de múltiplas peças para o mesmo fim. “É um exemplo clássico de produto funcional. O consumidor precisa de menos roupas para se adaptar a diferentes temperaturas, o que reduz o consumo desnecessário”, diz Rech.

Na mesma linha, marcas como Levi’s apostam em peças atemporais como pilar estratégico. O modelo 501, por exemplo, permanece praticamente inalterado há décadas e continua sendo best-seller. “A Levi’s construiu um império sobre um produto clássico. Toda marca deveria ter o seu ‘501’: um item que vende sempre, independente de modismo e garante previsibilidade financeira”, acrescenta.

Circularidade como modelo: do conserto à revenda


Outra frente que ganha tração é a da circularidade. Marcas estão investindo em reparo, revenda, aluguel e até recarga de produtos. A britânica Selfridges criou o programa RE-SELFRIDGES, com metas ambiciosas: até 2030, 45% de suas transações devem vir de modelos circulares. A parceria com a startup SOJO — especializada em consertos — garantiu um espaço permanente de reparos dentro da loja. Além disso, clientes podem revender itens de luxo e receber crédito, alugar roupas e até recarregar embalagens de beleza.

“É uma mudança de mentalidade e de negócio. Em vez de depender de vendas únicas e descartáveis, essas empresas estão apostando em serviços recorrentes, que fidelizam o cliente e reduzem o impacto ambiental”, avalia Symone.

Beleza, status e funcionalidade: o tripé da nova sustentabilidade


Se a sustentabilidade ainda carrega o estigma de ser “careta”, marcas como a Osklen vêm desmentindo esse mito. Desde 1998, a grife brasileira alia design sofisticado a práticas sustentáveis. Por meio do projeto e-fabrics, utiliza materiais como couro de pirarucu, juta da Amazônia e algodão orgânico. A proposta é oferecer não apenas moda ética, mas também estética refinada e conexão com a natureza.“As pessoas não compram só porque é ecológico. Compram porque é bonito, funcional e desejável. A estética precisa andar junto com a ética”, defende Rech.

Estratégia por perfil: o papel da ciência comportamental


Apesar das iniciativas promissoras, Rech alerta que muitas marcas sustentáveis erram ao comunicar sustentabilidade como se todo o público já estivesse convencido. “As marcas falam como se todos os consumidores já estivessem na ‘maioria inicial’ da curva de difusão da inovação. Mas a maioria ainda não vê valor real nisso”, explica. Ela propõe aplicar a lógica da Curva de Adoção da Inovação, de Everett Rogers, adaptada à moda.

Para os inovadores — cerca de 2,5% do mercado — a chave está em oferecer produtos disruptivos, com alta tecnologia e apelo exclusivo. A marca britânica Vollebak, por exemplo, vende peças feitas com cobre, grafeno ou madeira flexível. “Eles não vendem sustentabilidade. Vendem o futuro”, observa Rech.

No grupo dos early adopters, consumidores influentes e ligados ao luxo buscam status e diferenciação. Marcas como Veja, Stella McCartney e a própria Patagonia conseguiram se posicionar nessa camada, oferecendo produtos que unem propósito e prestígio.

Já para a maioria inicial, composta por consumidores mainstream, o foco está na validação social. “Aqui, o importante é mostrar que todo mundo já está fazendo. Criar normas sociais, facilitar o acesso e tornar o sustentável mais prático do que o convencional”, diz Rech. A Allbirds é um bom exemplo. A marca vende tênis sustentáveis, mas seu principal argumento é o conforto. Já H&M e Zara inseriram coleções ecológicas como parte das opções regulares, sem criar uma seção isolada para “moda verde”.

O futuro é inteligente — e desejável


No fim das contas, o caminho para a sustentabilidade não será pavimentado apenas com boas intenções ou campanhas pontuais. Ele exige uma transformação profunda na maneira como a indústria cria, vende e se relaciona com o consumidor.
O futuro da moda sustentável não depende de convencer as pessoas a comprar menos. Ele depende de criar produtos tão bons, tão icônicos e tão desejáveis que as pessoas naturalmente queiram comprar — e manter. As marcas que vão crescer não são as que produzem mais, mas as que constroem mais valor”, conclui Symone Rech.

Acreditando na comunicação como ferramenta de transformação, sou formada em Jornalismo pela FMU FIAM FAAM com atuação no amplo universo de Relações Públicas. Intermediando entre os dois horizontes, sou apaixonada por arte, cultura, moda e diversidade. Sempre atenta às tendências do cotidiano, busco entender o comportamento humano por meio da escrita, enquanto vivo na caótica e vibrante cidade de São Paulo.

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