Será que já desmistificamos o mito da beleza O julgamento da imagem feminina na era digital
Comportamento

Será que já desmistificamos o mito da beleza? O julgamento da imagem feminina na era digital após 34 anos do livro de Naomi Wolf

Apesar dos avanços na conquista de espaços, as mulheres ainda enfrentam o julgamento da imagem e lutam por controle sobre seus corpos

Ao longo dos séculos, o julgamento da imagem feminina foi alvo de cultos divinos a condenações. Atualmente, em uma era altamente digitalizada, as mulheres enfrentam o desafio de confrontar padrões de beleza irreais promovidos pela mídia e pelas redes sociais.

Há mais de três décadas, em 1990, a escritora Naomi Wolf já discutia sobre como as imagens de beleza eram utilizadas contra as mulheres em seu livro “O Mito da Beleza”. Ainda que tenha passado tanto tempo, suas reflexões continuam pertinentes. 

A readequação de narrativas para controle em diferentes épocas

Denise Bernuzzi de Sant’Anna, professora da PUC-SP, doutorada em Paris com uma tese sobre a história do embelezamento, observa que, se antes o foco estava nos pecados da alma, hoje, ele está na obsessão pelo corpo: “Antes, ‘mudar o rosto, aquilo feito por Deus’ era pecado, hoje nos libertamos do pecado, tornou-se um direito. Mas também um dever!”, afirma a educadora.

Para a professora, o motivo da persistência de ideais de beleza está relacionado ao poder. “Difícil escapar da vontade de atrair e de ser desejada. Essa tendência é milenar e está presente em diferentes culturas”, complementa Denise.

Ela explica que antigamente se dizia que “a beleza está para a mulher assim como a força está para os homens”. Contudo, com as mudanças em diferentes sociedades, essa divisão mudou, e “o músculo deixou de ser um atributo próprio ao homem e a cosmética invadiu o rosto e o corpo deles”.  

Julgamento da imagem feminina na era digital
A maquiagem se tornou uma aliada na busca pelo padrão de beleza.
(Pexels/Foto de Karolina Grabowska)

O julgamento da imagem feminina na era digital

Se nas décadas passadas as revistas e programas de TV ditavam a moda, hoje, as redes sociais assumiram esse lugar. As narrativas contemporâneas reforçam a função de controle social da beleza, contradizendo os avanços conquistados pelas mulheres. 

Os meios de comunicação digital desempenham o papel de propagadores desses padrões considerados belos. A psicanalista Camila Custódio analisa que o público feminino internaliza esses ideais consumidos diariamente, de diferentes maneiras, muitas delas inconscientemente.

“Muitas vezes, somos influenciadas pela mídia, pela sociedade e até mesmo por pessoas próximas a nós”, diz a profissional. A pressão para se encaixar a um padrão específico pode resultar em um desejo por algo que se reconhece como irreal ou prejudicial.

“A beleza hoje não é mais como nos anos 50, algo em geral limitado à cosmética e às roupas. Ela invadiu o corpo todo e se tornou sinônimo de bem-estar. Não é suficiente ser bela, é preciso sentir-se bela, diz a publicidade. Imensa exigência!”, diz Denise.

Quais são os impactos do mito da beleza?

Um relatório de 2023 do Dove Self-Esteem Project, indicou que 1 em cada 2 meninas entre 10 e 17 anos afirma que, conselhos de beleza tóxicos nas redes sociais, causam baixa autoestima. E 90% desse público diz seguir pelo menos uma conta de mídia social que as faz se sentir menos bonitas.

A “comparação e a concorrência permanentes entre a minha imagem e a dos outros”, como diz a professora, contribuem para o impacto negativo na autoestima e na autoimagem das pessoas, inclusive desenvolvendo transtornos. 

O Harmony Healthcare IT mostrou, em 2023, que mais de 1 em cada 4 (28%) mulheres lidaram com distúrbios alimentares. Os membros da Geração Z (41%), lutaram contra isso mais do que qualquer outra geração. Mais de 1 em cada 10 (13%) mulheres da Geração Z também compartilharam que têm um transtorno alimentar diagnosticado.

Além disso, Denise destaca a banalização dos espelhos e a cultura do corpo, que foram intensificadas no século passado, aumentando a vigilância sobre si mesmo. O ideal de beleza é parte de um processo histórico complexo, moldado por padrões que impõem expectativas e normas sobre a apresentação e comportamento femininos.

Em 2017, a Dove conduziu uma pesquisa sobre a imagem corporal e a confiança de garotas com idades entre 10 e 17 anos. Os resultados revelaram que a preocupação com a imagem corporal permanece uma questão global, com 75% das participantes com baixa autoestima colocando sua saúde em risco ao adotarem comportamentos alimentares inadequados. A aparência física passou a ocupar um patamar mais elevado entre as preocupações e sonhos.

As contradições na transparência 

Assim, com o passar do tempo o ideal de beleza varia, sendo múltiplo conforme a diversidade conquistada. Todavia, Denise sinaliza que há ideais, como a juventude e a magreza, que resistem aos séculos.

Julgamento da imagem feminina na era digital
As mulheres ainda enfrentam julgamentos pelos seus corpos e seguem na busca pela imagem perfeita. (Pexels/Foto de Hakeem James Hausley)

Ao mesmo tempo, as pessoas têm usado as redes sociais para compartilhar abertamente suas experiências com cirurgias plásticas e tratamentos estéticos. Embora haja transparência, essa exposição pode ter impactos negativos na percepção do corpo e na autoaceitação.

O julgamento da imagem feminina na era digital: “Estamos falando de aceitação aqui, mas soa como se essa aceitação tem limites”

Além disso, a psicanalista Camila reforça a necessidade de refletir sobre a disparidade na reação do público a comentários maldosos sobre corpos magros em comparação a corpos gordos. Exemplos como na edição 24 do reality show BBB, em que o corpo de Yasmin Brunet foi criticado, exibem essa desigualdade na resposta do público. “Estamos falando de aceitação aqui, mas soa como se essa aceitação tem limites”, complementa Camila.

Essa desigualdade reflete as normas e preconceitos enraizados na sociedade em relação à aparência física, os quais influenciam como as pessoas tratam e percebem umas às outras. Assim, o BBB se apresenta como “um experimento social que, por recortes, mostra como a sociedade pensa e se comporta”, diz Camila.

“’Tem que ter muita audácia pra criticar o corpo da @yasminbrunet !!!’ Tem que ter muita audácia pra criticar todos os corpos e não só o corpo de uma mulher padrão! Fica a reflexão, se o corpo em questão não fosse o de Yasmin e sim o de uma mulher gorda, todo mundo estaria tão indignado?”(Reprodução/Instagram @letticiamunniz)

Em geral, o julgamento da imagem feminina continua, mas foi se moldando para os novos espaços que surgiram. O desafio continua sendo em confrontar padrões e promover uma cultura mais inclusiva, “que valorize a pessoa, o sujeito que esse corpo carrega no mundo. Que tem valores, talentos, inteligência, que dá vida e forma a sua existência”, reflete Camila

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Escrito por: Victória Abreu | Revisado/Editado por: Clara Molter Bertolot

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