
A moda do passado nos persegue: bem-vindo à era da nostalgia
Entre estética Y2K, comfort looks e throwbacks digitais, a nostalgia virou linguagem emocional, tendência de consumo e refúgio em tempos instáveis.
Vivemos um déjà vu coletivo. Basta abrir o TikTok ou o Pinterest para encontrar montagens com fotos em flash estourado, looks com cintura baixa, óculos coloridos estilo anos 2000, cybershots em mãos e edições que imitam os efeitos vintage do Photoscape. A estética que antes era considerada cafona agora virou referência fashion. O pop punk voltou a influenciar desde o estilo até as trilhas sonoras dos vídeos. Além disso, elementos como gloss labial, braceletes de miçanga e diários online estão sendo resgatados como linguagem visual e afetiva da Geração Z. Afinal, estamos nostálgicos ou apenas tentando reencontrar sentido em meio ao caos?
O fenômeno cultural da nostalgia
A nostalgia sempre esteve presente na cultura pop. Entretanto, nos últimos anos ela se intensificou. O revival de Meninas Malvadas nos cinemas, o retorno de bandas como Paramore, Blink-182 e My Chemical Romance, os relançamentos de CDs e vinis, o sucesso de séries como That ’90s Show e até mesmo o comeback das novelas mexicanas demonstram como o passado voltou para ocupar o presente.
Na moda, a estética Y2K se tornou uma das mais influentes da década: calças de cintura baixa, óculos com lentes coloridas, gloss labial, estampas de borboleta, tênis plataforma, calças cargo e bolsas baguete estão por toda parte, do feed ao street style. Marcas como Diesel, Blumarine, Versace e a brasileira Colcci têm apostado nesse retorno. E os brechós viraram garimpos de preciosidades vintage. No entanto, essa volta não é apenas sobre estilo. É sobre sentimento, e também sobre consumo.


Por que o passado parece mais seguro?
A princípio, pode parecer só saudosismo. Mas basta uma semana difícil, uma notificação ruim ou um domingo ansioso para que o pensamento fuja para o tempo em que tudo parecia mais simples. Afinal, não tem como competir com a leveza que a memória inventa. A nostalgia, nesse caso, não é escapismo. É um tipo de autocuidado emocional.
Em tempos de tantas incertezas, olhar para trás pode ajudar a ancorar o presente. As lembranças afetivas funcionam como um fio condutor, criando uma narrativa mais coerente sobre quem somos e de onde viemos. Talvez seja justamente isso que buscamos em meio à fragmentação do agora: um sentido mais claro, mesmo que vindo do que já passou.
Na moda, essa memória afetiva se materializa. Usar uma baby tee que lembra os anos 2000 ou um colar de miçanga parecido com aquele das férias no interior é, no fundo, um gesto de reconexão. Uma tentativa de vestir não só um look, mas uma sensação. Porque às vezes, o que a gente quer mesmo é voltar a sentir como era antes do mundo começar a cobrar tanto.
A nostalgia como refúgio em tempos de colapso
A pandemia da COVID-19 embaralhou nossa noção de tempo e fragilizou nossa sensação de segurança. Posteriormente, vieram guerras, a crise climática, o avanço das fake news e a desilusão política. Nesse cenário, a nostalgia funciona como um abrigo emocional. Um estudo publicado na National Geographic Brasil aponta que, durante a pandemia, muitas pessoas se voltaram para a nostalgia como uma forma de lidar com o estresse e a incerteza. Segundo a psicóloga Krystine Batcho, “geralmente, as pessoas encontram conforto na nostalgia quando passam por perdas, ansiedade, isolamento ou incertezas”.
No mundo fashion, essa resposta emocional à crise global se expressou de forma marcante nos chamados comfort looks durante a pandemia: peças amplas, tecidos suaves e visuais que remetiam ao aconchego do lar. O boom dos moletons, pijamas estilosos e roupas de ginástica usadas como “segunda pele” refletia um desejo coletivo de segurança e acolhimento. Marcas como Juicy Couture, ícone dos anos 2000 com seus conjuntos de veludo, voltaram ao radar fashion como símbolo de conforto com toque nostálgico.

A estética como linguagem emocional
A estética Y2K não é apenas um resgate visual. Ela carrega consigo uma carga emocional que tem ganhado cada vez mais espaço entre jovens das gerações Z e Alpha. Em um cenário marcado por excesso de informação, hiperconexão e instabilidade, a nostalgia passou a ser usada como linguagem. Mais do que uma tendência, virou uma forma de expressão emocional e cultural.



Esse movimento aparece, por exemplo, na popularização da chamada estética sad girl, representada por artistas como Lana Del Rey, Ethel Cain e Billie Eilish, que abordam sentimentos como solidão, apatia e romantização da dor. Além disso, plataformas como Tumblr, blogs pessoais e redes mais recentes como o Substack se tornaram espaços onde o passado é constantemente revisitado, seja por meio de textos confessionais, diários abertos ou edições visuais com filtros granulados, legendas introspectivas e estética retrô.
Trata-se de um novo tipo de comunicação visual e afetiva, em que símbolos nostálgicos criam vínculos e comunidades. Ao usar certas referências visuais e comportamentais, os usuários estabelecem códigos de pertencimento e identificações compartilhadas. Assim sendo, a nostalgia deixa de ser apenas um sentimento individual e passa a funcionar como elo coletivo, um território onde a memória e o afeto moldam novas formas de se conectar.
Moda, memória e mercado
Na lógica da indústria da moda, o passado não retorna apenas como lembrança, mas como produto. A nostalgia vende, e vende muito. Revivals estéticos como o Y2K são alimentados por ciclos curtos de tendência, onde a memória afetiva é transformada em desejo de consumo. É aí que o conforto emocional e o apelo comercial se encontram, muitas vezes sem que o consumidor perceba.



A aceleração do ciclo da moda, impulsionada pelas redes sociais e pela cultura da novidade, transforma o passado em um repertório constantemente reciclado, não só por apego, mas por estratégia. Coleções cápsula, colaborações com celebridades e relançamentos nostálgicos movimentam bilhões e moldam os desejos de uma geração que, ao mesmo tempo em que busca segurança, também consome compulsivamente.
O que a nostalgia diz sobre nós?
A nostalgia não é um erro. Pelo contrário, ela é um espelho. Reflete nossos desejos, medos e saudades. Quando escolhemos usar uma peça que amávamos aos 12 anos ou ouvimos uma música que marcou nossa adolescência, estamos tentando resgatar uma parte de nós que foi deixada para trás.
Na moda, a nostalgia se transformou em ferramenta de expressão, manifesto visual e elo entre gerações. Podemos e devemos revisitar o passado, mas é essencial que isso nos sirva de impulso, e não de âncora. Porque o futuro, por mais incerto que seja, continua aberto a possibilidades, principalmente quando aprendemos a olhar para frente com a mesma sensibilidade com que olhamos para trás.
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Escrito por: Caroline Pereira | Editado por: Giovana Sedano

