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Entrevista com o editor de moda da Harper’s Bazaar: Guilherme de Beauharnais

Quando conheci o brilhante editor de moda de uma de minhas revistas favoritas, a Harper’s Bazaar, Guilherme de Beauharnais em uma palestra, não pude deixar passar a oportunidade de entrevistá-lo. Eu, reunindo toda minha confiança, perguntei a ele se estaria disposto a participar desse artigo, e fui recebida com uma enorme gentileza e uma pessoa incrível, e o resultado disso foi a minha primeira entrevista.

Nesta conversa, perguntamos sobre sua carreira, sua família, referências e dicas para aspirantes a jornalistas.

Editor de moda, Guilherme Beauharnais
Guilherme em seu Instagram (Reprodução/@gdebeauharnais)

Marina:

Eu queria saber se você pode contar um pouco como a sua carreira começou? Como é que foi? 

Guilherme de Beauharnais:

Eu queria ser diplomata quando eu era adolescente, me imaginava assim. Sempre gostei, sempre tive facilidade com idiomas e, enfim, relacionamentos, mas acabou que não foi exatamente o que eu via para mim mesmo. E sempre gostei muito de ler, muito de escrever, mas a minha mãe era uma grande esteta, ela foi uma das minhas maiores referências visuais, a minha família também sempre teve uma ligação próxima com a moda. Ninguém trabalhava com moda, mas sempre consumiram muito de perto. Eu sempre gostei de revista, de jornalismo, apesar de não gostar muito de ler o jornal. Decidi mudar porque achei que seria uma forma de eu explorar mais a minha escrita, a minha própria identidade visual e ,quando eu fui para o jornalismo, já era para trabalhar com jornalismo de moda.

Eu comecei mesmo como editor de moda no jornal da universidade da PUC, né? No Contraponto e eu sempre publiquei muito no Instagram. Eu sempre, até hoje, escrevo muito no Instagram, eu sou um pouco contra corrente nesse sentido, as pessoas sabem que gostam de textos curtos. 

Eu acho que eu criei uma comunidade, com essa cultura, sabe? As pessoas me acompanham, realmente leem o que eu escrevo no Instagram, na revista, eu sempre tenho assim, não estou puxando a sardinha para o meu lado, mas as pessoas falam assim: “nossa, eu comecei a ler Bazaar por sua causa, voltei a assinar Bazaar pelos seus textos!” e eu fico muito feliz com isso, né? Sempre gostei de escrever, a palavra é uma droga, que eu adoro e, enfim, adoro. 

Ele [Editor de moda da Elle] me acompanhou pelo Instagram e me convidou para assinar textos para online, para ser colaborador do online da Elle. Eu comecei a escrever. Eu escrevia dois textos por mês. Depois eu acabei escrevendo 9 por dia na Vogue, mas já vou chegar lá. 

Marina:

[Sobre publicações no Instagram] É uma coisa muito dinâmica, acaba atraindo um público, além das pessoas que já estão no mundo da moda, que querem saber mais, que tá começando a se interessar, né? 

Guilherme:

Foi super legal. Na época eu também acabei me destacando, porque eu sempre li muito, né? Eu sempre tive o privilégio de poder investir em literatura e bibliografia, então eu lia muito, as minhas fontes sempre eram muito únicas, não era aquela pessoa que buscava informação do Wikipédia, sabe? Para escrever texto eu realmente tenho… eu tenho prateleiras e prateleiras aqui só sobre livros da Dior, enfim, muitas coisas. Então eu tinha essa informação que ninguém conhecia. Era um texto com informações novas, frescas. Ajudou muito, sabe? 

Nesse meio tempo eu fazia faculdade, eu estagiava. Eu tinha começado a estagiar numa assessoria de imprensa, de marcas de luxo que cuidava de Bottega Veneta, de Louboutin, de Bvlgari e Ferragamo. Então eu estagiava, eu fazia faculdade, escrevia para Elle e nesse meio tempo, por conta de começar a escrever para Elle, as pessoas começaram a me seguir, me acompanhar mais. Eu comecei a crescer assim nas redes sociais, em comparação ao que eu tinha antes de seguidores. E a Silvia Rogar, que tinha sido diretora da Vogue e estava assumindo a direção da revista do Cidade Jardim, que tem uma revista, né? No Cidade Jardim, ela me convidou para colaborar com uma edição, e eu fui. Então eu fazia quatro coisas ao mesmo tempo: Elle, Cidade Jardim, estágio, faculdade. 

Marina:

Nossa. 

Guilherme:

Foi um momento muito intenso, mas foi assim, de enorme projeção para minha carreira, porque até então eu tinha 20 anos de idade, estava fazendo um monte de coisa e as pessoas me acompanhando. Isso para mim foi muito importante. 

E aí fiquei um ano, né? Escrevendo para Elle, tinha feito um ano de estágio, também tinha colaborado com essa edição do Cidade Jardim e surgiu a oportunidade de eu viajar, fui para Nova Iorque, passar um tempo. Já era um pouco mais para o final, o final de 2021. Eu ia para Nova Iorque, depois eu ia para Naples, que é uma cidade na Flórida, perto da beira do Golfo do México, depois eu ia para Paris e ia passar o final do ano em Londres.

Eu estava em Nova Iorque, no hotel e abri meu e-mail, estava checando meus e-mails. E eu tinha recebido e-mails da Vogue aqui no Brasil, me convidando para colaborar.

Tinha acabado de fazer 21 anos. Que incrível. Quero com certeza. E aí fiz uma reunião no hotel mesmo com as editoras da Vogue. Elas gostaram e toparam.

Foi uma experiência linda [a Vogue], eu aprendi muito, muito, muito mesmo, porque eu ia para redação toda semana, então vivia aquilo presencialmente com as pessoas e eu assinava todos os tipos de texto possíveis, desde matérias, reportagens e grandes entrevistas e até matérias de tendências, sabe assim? Matérias que a gente chama de disparo rápido. 

Fiquei lá com eles por 8 meses. É, foi muito, muito importante pra mim meu primeiro texto na Vogue impressa, porque eu fazia digital. Inclusive a Vogue foi o momento em que eu descobri o meu amor pelo digital. É, eu era muito do impresso, né? E aí na Vogue eu descobri a força do digital. Sabe, até porque eu tive também uma enorme mentora, que é a Renata Garcia, (que hoje é diretora da Glamour, mas na época era editora digital da Vogue) e ela me ensinou muito sobre o digital.

É, e eu amava. Mas chegou um momento que eu fiz uma entrevista com Betty Cratoux, que era uma das melhores amigas e musas do Yves Saint Laurent, eu já a conhecia e ofereci pra Vogue uma entrevista com ela. Eles toparam. E na edição de maio de 2022, eu fiz uma entrevista, ela teve quatro páginas na Vogue na edição de aniversário com a capa da Anitta. Além disso, saiu uma foto minha na Vogue com meu nome e um texto sobre mim.

É, imagina só, um menino de 21 anos com uma foto na Vogue, o nome dele, uma matéria de quatro páginas, que foi a minha grande estreia impressa na Vogue.

Marina: 

Incrível. 

Guilherme:

E depois eu continuei escrevendo pro online. Eu assinei uma outra matéria, também de quatro páginas ou de seis páginas, não me lembro, na Vogue de agosto. 

Eu conheci a Anna Paula Buchalla, que é a redatora chefe da Harper’s Bazaar em uma café da manhã promovido pela Tiffany. E uma amiga minha me apresentou (essa amiga minha, que é jornalista, que tinha feito o meu textinho para Vogue quando eu tinha debutado lá em maio), ela me apresentou para Anna Paula porque ela tinha sido editora de moda da Harper ‘s Bazaar. A Ana Paula falou  “Ah, você escreve, é?” e eu falei “Escrevo.” Ela perguntou se não toparia escrever alguma coisa para Bazaar.

Eu falei que toparia. Escrevi, mandei, eu era freelancer, né? Assim, eu escrevia pra Vogue, eu estava exclusivo com a Vogue por vontade própria, porque já era um trabalho que me demandava muito. Mas eu era freelancer e aí de repente um convite da Harper’s Bazaar que era uma revista que pra mim sempre foi uma grande referência. A Patrícia Carta, que é diretora da publicação, até hoje é uma grande inspiração pra mim. Eu escrevi duas matérias, uma era uma matéria para jóias. Perguntaram se eu tinha alguma sugestão, e eu tinha, porque eu tinha uma amiga que tinha acabado de inaugurar uma joalheria em Paris só de diamantes de laboratório. 

Marina: 

Que interessante. 

Guilherme: 

É, e ela tinha inaugurado com um amigo dela. E era uma joalheria super linda, assim, de joias de fato, de alta joalheria, mas com diamantes de laboratório. Eu sugeri e aí fiz essa matéria e ficou muito legal, porque era uma história nova, sabe? Assim é, acho que foi quando eles entenderam na base que “nossa, esse menino ele tem contato, ele tem acesso, talvez seja alguém para gente manter no radar”, mas eu como sempre fui mega, como é que se diz? Livre, digamos assim, né? Meio um pouco rebelde, é? Eu falei, “ai, quer saber, eu vou sair do Brasil, vou para Paris”, sempre que acontece alguma coisa na minha vida, eu vou para Paris.

Fui para Paris e coincidentemente foi logo depois do café da manhã e em setembro, a semana de moda em Paris, né? Então eu estava lá passeando e a Patrícia Carta, ela foi para a semana de moda e ela ficou sabendo que eu estava lá, me mandou mensagem e perguntou se eu não queria encontrá-la. E eu falei: “Vamos, vamos sim”. A gente conversou, ela perguntou um pouquinho sobre mim, assim, 20 minutos de conversa, ela já tinha falado que estava precisando de um editor de moda para a Bazaar e eu aceitei. E aí voltei para o Brasil, né? E cá estou desde então. 

Marina: 

Nossa, que interessante realmente. 

Guilherme: 

Faz um ano e meio. 

Marina:

Faz um ano e meio que você está na Harper ‘s Bazaar?

Guilherme: 

Deve fazer um pouquinho mais assim, um ano e meio para mais. Um ano e sete meses, talvez. 

Marina:

Que incrível. Nossa, é uma história assim, muito interessante. Você comentou que você chegou a escrever nove textos, é isso pra Vogue por dia? 

Guilherme: 

Eu escrevia. Assim eram notinhas rápidas. Então eu tinha dias que eu escrevia de seis a nove notinhas, sabe assim, disparava tudo rápido. Eu cobria celebridades, moda e tendências… Não é que eu era forçado a escrever, mas eu gostava de escrever muito assim, vou dar exemplo: Kylie Jenner apareceu com uma bolsa de vidro, eu escrevia uma matéria sobre isso assim, tipo, descubra de onde é a bolsa de vidro de Kylie Jenner. E eu fazia a matéria. Era uma matéria curtinha, só para as pessoas saberem de onde era a bolsa e também servia sobre tendências. Assim, todas as famosas e influenciadoras estavam usando o mesmo. Aí fazia matérias, eram várias por dia. Era muito legal. Foi uma escola gigantesca. 

Marina:

E você falou que tem essa coisa do maximalismo assim, uma coisa que você gosta muito. Além da decoração, na moda, principalmente que agora que eu sinto que o minimalismo está caindo, o maximalismo parece estar voltando. O que você acha? 

Guilherme: 

Eu sempre gostei de muito, né? Acho que uma das minhas maiores referências assim de moda, ícones, na verdade, a Loulou de La Falaise, que foi também uma das grandes amigas do Yves Saint Laurent, e ela era diretora de acessórios e ela usava turbantes e montes de pulseiras e colares. Sempre gostei disso. Eu nunca fui muito do minimalismo na moda, é, nunca fui, apesar de que eu sou minimalista assim, na minha moda só uso preto, botas pretas, é, enfim, eu gosto comigo, né? Mas assim como é referência no meu coração, eu adoro maximalismo.

Mas a minha chefe, a Patrícia, ela é muito minimalista, então aprendi muito com ela sobre minimalismo, sabe? Assim aprendi a gostar do minimalismo com ela, né? Hoje eu admiro muito esse minimalismo que a gente tem visto na Gucci e em outras marcas, essa ideia anos 90, porque eu nasci nos anos 2000, não vivi os anos 90 na moda, não acompanhei esse sucesso do minimalismo, que a gente pensa em Tom Ford e aquela coisa toda. Mas eu gosto, sim.

É, é, não há assim, não é não é uma guerra para mim, sabe? O minimalismo e o maximalismo podem coexistir juntos. 

Marina:

A outra pergunta que eu tinha separado era, como você descreve a sua relação com a moda? Mas eu também acho que você já respondeu que é uma coisa que vem assim, da sua família, da sua infância. Você sempre teve muitas referências e, como você falou, você cresceu com isso.

Guilherme:

 A moda é minha ferramenta. Quando eu penso em moda, é uma relação linda, sabe? Assim é quase um casamento, eu diria, com vários amantes, porque eu também adoro, é decoração e adoro cultura, né? A moda não é a única estrela da minha vida. Adoro cinema, adoro teatro, adoro música, mas é uma relação muito, muito íntima, até porque eu frequento muito a moda de perto, Um pouco, pelo meu cargo também. Eu viajo, eu vou para as semanas de moda, eu vejo aquilo tudo acontecendo. As pessoas da moda foram minhas amigas, de frequentarem minha casa, de frequentar a casa delas, estilistas, produtores, fotógrafos, enfim. Então, a moda hoje, assim, ela é muito mais do que só um aspecto da minha vida, sabe? Eu acho que, de certa forma, ela é a minha vida. 

Marina: 

Você acha que as pessoas tendem a não levar jornalismo de moda a sério ou isso é uma coisa que está meio que caindo com o tempo? 

Guilherme:

Olha, eu acho que é um pouco dos dois. Eu, particularmente, não me levo muito a sério. Eu trabalho de uma forma muito séria, mas quando eu escrevo os textos, eu sempre trago o deboche e o humor pelas minhas próprias referências de jornalismo, né? Cada um tem as suas, essa é a minha. Minha grande referência sempre foi a Interview, é uma revista de 1969, fundada pelo Andy Warhol, que veio para o Brasil nos anos 70. Eu adoro o debate com o que ela era escrita,eu acho que eu trago muito isso nos meus textos, sabe? Eu tenho uma despretensão, eu não tenho pretensão nenhuma de parecer inteligente, de parecer que eu conheço as coisas.

A minha única vontade no meu texto é de entreter, sabe assim, ao mesmo tempo que eu não acho que a gente da moda seja entretenimento, que é uma grande caixinha que as pessoas colocam, eu estou preocupado em falar sobre coisas bonitas assim, sabe? E eu acho que por isso eu acabo não conseguindo me levar muito a sério, porque a beleza ela é um sentimento, entendeu? Ela não é uma lei, ela é algo pra você se aproximar, pra você flertar. Eu acho que as pessoas às vezes levam a moda muito a sério, que como obviamente ela é uma indústria, é necessário levar ela a sério, até pelos próprios problemas sociais, ambientais que ela implica, mas eu acho, na verdade, que é um preconceito que está assim caindo, né?

Quando a gente, na verdade, descobre a história do jornalismo de moda, a gente percebe o quão revolucionário ele já foi para tantas outras áreas, sabe? É, eu acho uma pena que ainda tenha estudantes que se sintam desencorajados de fazer esse tipo de trabalho, de buscar esse sonho de fazer jornalismo de moda, que também é uma fantasia muito idealizada.

As pessoas pensam em O Diabo Veste Prada, elas imaginam que a vida é assim e não, a vida é muito mais real do que um filme. Mas eu acho, sim, que as pessoas estão começando a se abrir mais para o jornalismo de moda, com certeza, porque ele está se expandindo, sabe? Por outros lados, ele está ficando cada vez mais politizado, mais político, mais sociológico, mais cultural. E isso também é muito graças aos bons profissionais que a gente encontrou no mercado hoje e que entendem que a moda é muito além do deslumbre. 

Marina:

E enfim, a próxima pergunta era se você vê, como você falou, a moda como uma coisa inerentemente política ou tipo que só ou que ao mesmo tempo ela possa ser só, feita para ser apreciada.

Guilherme:

Acho que a graça da moda é justamente essa. Ela não é. Ela é tudo e ela não é nada também. Ao mesmo tempo, a moda pode ser política e as pessoas têm a liberdade para tornar a moda política, os diretores criativos, os jornalistas, enfim. Como também tem pessoas que fazem moda pela moda, né? A beleza pela beleza, e eu acho isso muito simbolista da parte da moda. Eu acho muito século 19 e eu adoro, né, o meu século 19. Eu gosto da beleza pela beleza, sabe? Apesar de ser uma pessoa politizada, me considero uma pessoa muito politizada, sem alcance, prepotência, mas não acompanho muito política, eu não gosto de trazer isso no meu texto. É quando não é necessário, é.

Mas eu gosto de ver os outros, eu gosto de ver essa… como eu posso dizer? Essa beleza sabe ser tratada de uma forma humana. E a política, é uma coisa humana e eu acho isso muito bonito, mas ao mesmo tempo eu acho que ela pode ser tratada de tantas formas, são tantas perspectivas.

Quando a gente analisa um desfile, quando a gente analisa uma coleção ou  um momento de moda econômico também, a moda, ela tem um lugar na economia, tanto é que o Valor Econômico aqui em São Paulo, o jornal, tem o Pedro Diniz que escreve sobre moda para o jornal, porque a moda também tem esse lado econômico.

A moda tem muitos lados e os jornalistas vão buscar os lados que mais os interessam. Enfim, é, eu não acho que a moda é política necessariamente. Eu acho que ela pode se tornar política, como ela pode se tornar arte, como ela pode se tornar economia, é a partir da perspectiva de cada um, mas é muito necessário um jornalista que tem esse olhar para conseguir fazer isso, sabe que a moda, ela existe, ela é roupa, né? Assim, agora a perspectiva que aquela roupa vai ganhar, ela parte de um comunicador, né? Não só do cliente, mas de um comunicador que vai olhar para aquilo, e trazer o seu próprio ponto de vista sobre aquilo.

Então, respondendo a sua pergunta de forma resumida, eu não acho que a moda seja política por natureza, sabe? Eu acho que cabe a nós fazermos dela uma ferramenta política ou sociológica, ou cultural, ou artística, ou simplesmente bela. 

Marina:

O que você acha que é a grande diferença em como as pessoas veem a moda Internacional e a moda brasileira? No sentido de eu acho que muitas pessoas falam que a moda brasileira não é tão valorizada quanto a moda Internacional.

Guilherme:

A moda Internacional existe há séculos, né? Paris é uma capital da moda desde a Renascença, digamos assim. Paris, né? A Itália, França, Estados Unidos… Assim, para além da moda brasileira, que começou de fato a existir recentemente, né? Nos anos 90, a gente atribui assim esse nascer, esse florescer da moda brasileira, apesar dela existir desde o começo do século 21, várias a costureiras e grandes modistas, como se dizia na época. E a moda brasileira não é valorizada, porque os brasileiros não querem valorizar a moda brasileira, é muito simples.

O único culpado, na verdade, é o consumidor e a informação, né? Não só o consumidor de roupa, porque hoje em dia a gente tem Instagram, né? Não só as revistas, mas a gente tem redes sociais, as pessoas podem pesquisar. As revistas cobrem marcas brasileiras, a gente cobre muito, as pessoas acham que a gente não fala, a gente fala muito porque as pessoas não querem ver. Não querem olhar para isso porque não as interessa. 

Tem coisas lindas acontecendo no Brasil, uma geração de moda fazendo coisas cada vez mais ousadas, cada vez mais impressionantes, com tecnologia, assim, a moda brasileira não é valorizada porque o brasileiro não quer valorizar. 

Eu acho que, na verdade, também existe um déficit de comunicação da própria moda brasileira. Obviamente, as revistas cobrem isso, mas as pessoas também cobram muito dos influenciadores comentários sobre moda brasileira. Acho que falta, sabe? Assim a gente dá essa atenção para contar essas histórias. Mas a moda brasileira não é fraca, muito pelo contrário, ela tem muita força, ela tem muita identidade, ela é muito além do biquíni do beachwear.

Eu não gosto do termo “Síndrome de Vira Lata”, acho um termo péssimo, mas é falta de vontade mesmo de conhecer, as pessoas tem que ser mais curiosas. Eu acho que é por isso que a moda brasileira sofre, porque as pessoas não tem curiosidade. Mas as que têm vão dizer o mesmo que eu: a moda brasileira tem muita força, tem muita criatividade, tem muita identidade, tem muitos personagens maravilhosos. E a gente, como publicação e outras publicações, aproveitam isso ao máximo para poder dividir essas histórias com as pessoas. Ela está ao alcance da mão, mas só falta as pessoas de fato quererem esticar. 

Marina:

Uma última pergunta, o Fashionlismo, que é onde essa entrevista vai ser publicada, é um portal de moda independente para estudantes e jornalistas que querem se especializar na área ou montarem o seu portfólio. Então eu pergunto, qual a sua dica para aqueles que desejam trabalhar em uma redação de moda ou que estão começando a carreira como jornalistas de moda? Qual é o seu conselho? 

Guilherme:

Meu conselho? Meu conselho, na verdade, é tentar fugir o máximo da moda, porque no sentido de que assim, quer ser de moda e só ler coisas de moda, você vai ser um jornalista de moda medíocre, sabe? A moda, ela exige um repertório muito maior, muito político, muito econômico, muito cultural, muito artístico. A moda, na verdade, é um grande radar de tudo, né? Ela é, na verdade, um grande reflexo de tudo. quanto mais repertório você tem, melhor, conhecer, sabe assim o máximo possível, ler e fazer o exercício de levar isso para dentro do texto, né? E escrever, escrever, escrever, sabe assim, escrever é prática.

As pessoas escrevem hoje mal porque elas leem pouco. Então ler e escrever e ler sobre tudo, não só sobre moda e escrever, obviamente sobre moda, porque não dá pra escrever sobre tudo, mas tentar incluir essas referências o máximo possível. É no seu texto, na sua produção. Acho que isso é o que te traz o diferencial, como jornalista, como editor, como comunicador de moda. Sei que é uma resposta clichê: ler e escrever muito, mas eu acho que a grande base e, é, soa básico, mas as pessoas não fazem o básico, elas querem começar lá de cima, elas querem começar frequentando Paris e Milão, mas tudo isso precisa do básico, né? Eu mesmo tudo bem, consegui, tenho, né?

Consegui o cargo de altitude de moda de uma das maiores publicações do mundo com uma idade muito jovem, mas eu carreguei a sacola também, fiz muita coisa, sabe? A gente precisa também ouvir, né? Ler, escrever e ouvir. A nossa geração ou geração z, que está entrando agora no mercado e também em breve a geração mais nova é, tem o péssimo hábito de achar que já sabem tudo, que são expert, absolutamente tudo, mas não, as gerações mais velhas ainda estão trabalhando. É muito importante ouvir delas e aprender com elas, porque o jornalista, na verdade, é um grande ouvinte, né? A gente tem que ouvir mais do que a gente fala e isso é verdade, temos que estar aberto a aprendizados. 

Marina: 

Ah, que ótimo. E é só um extra aqui, é, você disse que tem muitos livros e que você acabou de falar: “tem que ler muito e escrever muito”. Você tem alguma recomendação de livro para nós de sobre moda, sobre cultura ou sobre até mesmo sonre jornalismo. 

Guilherme:

Tenho, nossa, eu tenho muitas. Sobre moda, tem: A história da moda no Brasil, do professor João Braga, né? 

Um livro para minha vida, assim, na verdade, que não tem nada a ver com moda, mas que também foi muito importante para o meu nascer estético, é um livro chamado As Avessas, do Joris-Karl Huysmans, um livro decadentista no final do século 19, que eu adoro. Nada tem a ver com moda, mas ele tem muito sobre a ver, sobre estética, sabe? Esse é um livro que foi a minha grande escola, estética também. Sobre jornalismo, tem um livro muito bom que lançou alguns anos atrás, chamado Glossy [The inside story of  Vogue], que é sobre a história da revista Vogue, sabe a evolução da revista. Ah, e tem um livro muito bom também publicado em português, chamado Moda Vintage Alta Costura, é um bom livro de referências para quem está começando a querer mergulhar no básico da moda do século 20.

Acho que são meus livros assim, que eu sempre recomendo para quem tá para quem quer de fato começar a mergulhar e se interessar mais pelo assunto. 

Marina:

É muito obrigada. Eu, nossa, eu tô até emocionada, na verdade [risos], porque essa foi minha primeira entrevista, então eu peço perdão se eu acabei ficando nervosa. 

Guilherme: 

Imagina, fico super lisonjeado. Foi um prazer enorme te conhecer aquele dia e, enfim, poder falar com você hoje. 

Assim que terminei de gravar e nossa conversa foi encerrada, me senti uma pessoa diferente daquela que havia começado. Depois de uma história incrível e conselhos maravilhosos, um sentimento de realização ficou comigo, após perceber que, com apenas 21 anos, havia conseguido conduzir uma entrevista com um grande editor da revista de moda mais antiga do mundo. Carrego esse sentimento comigo em muitos momentos de dúvida, e gostaria de finalizar essa matéria com apenas um: obrigado.

Escrito por: Marina Pelegrini | Editado por: Flávia Pereira

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