A dança das cadeiras na moda de luxo
Diretores criativos se revezam em marcas históricas enquanto o setor busca relevância em meio à crise e à mudança de consumo

Paula Bragagnolo | Fundadora e Diretora criativa da PGB
Em meio a um cenário de incertezas e reconfigurações, o mercado da moda de luxo tem vivido uma verdadeira dança das cadeiras com seus diretores criativos. Trocas sucessivas de liderança criativa em casas renomadas como Chanel, Dior, Gucci, Valentino e Balenciaga sinalizam mais do que simples movimentações profissionais — revelam profundas transformações estratégicas na indústria.
Para entender esse fenômeno, conversamos com Paula Bragagnolo, fundadora e diretora criativa da PGB Inteligência, que traz uma visão ampla e instigante sobre o momento atual.
Um setor fragilizado e em busca de relevância
“A moda, o mercado do luxo em si, é um mercado que está bem fragilizado”, explica Paula. Segundo ela, após um ano desafiador, o setor ainda tenta se recuperar enquanto enfrenta uma mudança radical no comportamento do consumidor — especialmente da geração Z. “Ao invés de gastar com um item de luxo, as pessoas estão preferindo investir em experiências”, diz. Essa mudança obriga as marcas a irem além do produto, investindo em narrativas e conexões emocionais.
Nesse novo panorama, a pressão para se manter relevante é maior do que nunca. “A relevância é muito mais curta. As marcas precisam se reinventar com uma velocidade que nunca foi exigida antes”, completa.
Diretores criativos como influenciadores e guardiões do DNA
Para além do talento criativo, atualmente, esse cargo exige uma postura quase diplomática. “As marcas estão entendendo os diretores criativos como embaixadores. Eles são representantes dos valores da marca. Não basta criar bem, tem que se alinhar com o que a marca quer comunicar”, explica Paula. O caso de Demna, ex-Balenciaga, é emblemático. Após controvérsias envolvendo a marca, a maison de moda lançou uma série para resgatar a história de Cristóbal Balenciaga. “É um reflexo direto de como a imagem do criativo impacta a marca como um todo”, observa.
Além disso, há uma tendência crescente de priorizar diretores que saibam traduzir e atualizar o DNA das marcas. Em alguns casos, inclusive, marcas optaram por lançar coleções sem um diretor criativo formal, contando apenas com suas equipes internas. “Isso mostra a importância de manter a essência da marca viva, mesmo na ausência de uma figura de liderança”, comenta.
Os grandes movimentos da temporada
Paula destaca que os principais movimentos recentes refletem justamente essa busca por reconexão com o passado, sem perder a relevância contemporânea. Mathieu Blazy, por exemplo, deixou a Bottega Veneta após reposicionar a marca de forma brilhante e, segundo rumores, estaria de malas prontas para a Chanel.
“A Bottega era quase irrelevante dez anos atrás. Blazy reergueu os símbolos da marca com sofisticação. É isso que a Chanel está buscando agora: alguém que une tradição e viralização”, analisa.
Outro nome citado é Jonathan Anderson, que revitalizou a Loewe e, embora ainda não tenha um novo destino confirmado, seu nome tem circulado nos bastidores. “Ele colocou a Loewe no mapa de novo”, comenta Paula. Enquanto isso, a grande surpresa da temporada foi o anúncio oficial do retorno de John Galliano à Dior.
“É algo completamente emblemático para a marca. Galliano teve uma presença fortíssima nos anos 2000, especialmente entre 2005 e 2008, e sua volta representa um resgate dos símbolos e da estética daquela época”, analisa. Esse tipo de movimento mostra não apenas uma busca por renovação, mas também uma valorização da herança criativa que marcou a história da moda recente.
E há ainda a troca mais polêmica da temporada: Demna, saindo da Balenciaga para a Gucci. “Depois da fase Michele, com uma estética super kitsch, e da era Sabato De Sarno, com foco em smart clothing e tradição, a Gucci caiu em relevância. Demna pode trazer de volta o apelo viral da marca — mas a escolha é arriscada”, pondera Paula.
Para a especialista, o mais importante é não se prender apenas aos nomes. “A minha provocação é que a gente observe a grande imagem, a big picture. Quais são as estratégias por trás dessas movimentações? Precisamos entender os valores que essas marcas estão buscando reafirmar e o que elas querem comunicar com cada escolha.”, completa.
