Upcycling na Moda: Desconstruindo o Consumo Desenfreado

 

A indústria têxtil é conhecida por seu processo produtivo complexo, que demanda grandes quantidades de energia, água, produtos químicos poluentes e exploração de recursos naturais. Infelizmente, essa abordagem tem causado impactos negativos significativos ao meio ambiente e à cadeia produtiva, levantando questionamentos sobre a ética envolvida.

De acordo com a  Global Fashion Agenda, uma organização sem fins lucrativos, a indústria da moda é considerada a segunda mais poluidora do mundo. Só perde apenas para o setor petrolífero. Um dado alarmante, é que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartadas nos últimos anos. E as projeções apontam para um aumento de 60%, totalizando 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos.

Diante desse cenário desafiador, ganha destaque um conceito que busca revolucionar a moda e outros setores: o upcycling. Embora não exclusivo da moda, esse princípio tem sido aplicado com grande potencial transformador nessa indústria. O upcycling se concentra em conferir novos usos e significados a materiais que, de outra forma, seriam destinados ao lixo, ampliando seu ciclo de vida.

Diferentemente da reciclagem tradicional, que envolve processos químicos e maquinários para transformar materiais descartados, a técnica do upcycling é caracterizada por adaptação e readequação, frequentemente realizadas de forma manual.

Marina Giustino, Pesquisadora de Tendências de Moda e Comportamento, diz: ‘O Fast Fashion ainda tem uma aderência muito grande. Mas essa nova maneira de consumir, mais consciente, representa uma excelente alternativa ao consumo desenfreado e de descarte’, sobre o upcycling como forma de mudar como as pessoas consomem moda.

 

O Upcycling conscientizando as pessoas sobre a Moda Sustentável

Marina Giustino destaca que as marcas têm o potencial de educar os consumidores sobre práticas sustentáveis por meio do storytelling, transparência nos processos e parcerias com influenciadores. No entanto, ela observa que, embora a mídia e as redes sociais tenham contribuído para disseminar o conceito de upcycling, ainda é um nicho restrito, predominantemente adotado por pequenos e médios influenciadores.

Grandes influenciadoras, muitas vezes, não questionam o que consomem ou fazem, deixando de usar sua influência em prol de boas práticas. Dessa maneira, Marina sugere que essa questão poderia ser abordada pelas marcas através de publiposts em parceria com essas influenciadoras. A conscientização sobre o consumo consciente é fundamental.

Só para ilustrar, a crescente demanda por peças upcycling pode impulsionar aprimoramentos nos processos. Portanto, isso tornar os preços mais acessíveis, ao mesmo tempo em que garante salários justos para os colaboradores. 

 Transformando a Moda com Upcycling

 

Beatriz Oliveira, designer de moda e fundadora da Lymbo, encontrou nesta técnica uma forma de romper com o padrão insatisfatório do mercado e sua relação com o que é produzido. Para ela, é crucial que as marcas considerem o impacto do processo de produção em suas próprias vidas, na vida das pessoas envolvidas na cadeia produtiva e no mundo como um todo. Beatriz acredita que o upcycling representa o futuro da moda.

Entretanto, quando questionada sobre como o upcycling na moda pode empoderar as pessoas envolvidas na cadeia produtiva e beneficiar designers, artesãos e consumidores, ela enfatiza que a forma como você produz determina seu relacionamento com todos os participantes dessa cadeia, incluindo o consumidor final.

No upcycling, é possível trabalhar com matéria-prima rara, que não é mais produzida atualmente, e peças vintage que se tornam verdadeiras relíquias, garantindo exclusividade e qualidade para os clientes. Na Lymbo, eles não trabalham com estoque, mantendo modelos clássicos, porém cada peça possui cores, texturas e formatos únicos.

 

Impacto Social

O upcycling é uma poderosa oportunidade para gerar impacto social positivo, especialmente quando envolve parcerias com artesãos locais e comunidades vulneráveis. Essa abordagem sustentável e socialmente consciente cria um ciclo virtuoso, onde a moda se torna uma força de mudança e inclusão social.

Só para exemplificar, a Passarela Alternativa, trabalha em prol da restauração social de mulheres egressas do sistema prisional. Por meio do upcycling, essa ONG capacita, gera renda e emancipa essas mulheres, incentivando a criatividade e o empreendedorismo na área de moda. Através de parcerias com outras empresas, elas recebem pedidos para a entrega de produtos, o que ajuda a sustentar a remuneração dessas mulheres.

Com a metodologia 80/20, a Passarela Alternativa dedica 80% do tempo para capacitação técnica e 20% para o desenvolvimento humano das alunas, incluindo incentivos ao empreendedorismo e orientações sobre gestão financeira.

Por certo, há outro projeto muito interessante realizado pela ONG é o “aBIOsorventes”, que são absorventes reutilizáveis. Embora esses absorventes não utilizem tecidos de upcycling, eles são ferramentas importantes no combate à pobreza menstrual. Além disso, também contribuem para a arrecadação de recursos para a ONG. Esses absorventes são doados para mulheres em situação de vulnerabilidade social, incluindo aquelas que estão em instituições prisionais e adolescentes do sistema de educação pública.

Através do upcycling e do trabalho social da Passarela Alternativa, as mulheres têm a oportunidade de se desenvolver e criar novos produtos. Dessa forma, elas alcançam independência financeira e social. Como resultado, esse impacto positivo na vida delas e nas comunidades é uma verdadeira demonstração de como a moda pode ser uma força transformadora e inclusiva.

Escrito por: Vitor Cesar | Editado por: Flávia Pereira