“Dupe Culture”: a cultura das réplicas que está movimentando a moda
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“Dupe Culture”: a cultura das réplicas que está movimentando a moda

Não são falsificações, mas também não são inofensivos: como os dupes estão redefinindo o valor (e os valores) da moda.

Vergonha de usar artigos falsos? Para as novas gerações, isso é coisa do passado. A Geração Z orgulha-se das peças parecidíssimas com artigos originais que adquiriu por uma bagatela. Estamos falando dos dupes.

Dupe, palavra que deriva do termo “duplicar”, nada mais é do que uma réplica mais acessível de algum produto. O termo já conta com mais de 1 bilhão de citações no TikTok e milhares de influenciadores produzem vídeos diariamente mostrando seus dupes preferidos e – por que não? – incluindo seu próprio link para compra.

Ao contrário de falsificações, que muitas vezes imitam os originais a ponto de enganar até os consumidores mais espertos, os dupes nunca tiveram essa pretensão. Eles não utilizam o logo ou qualquer elemento de branding das marcas que copiam, apenas apresentam-se como uma alternativa mais barata. Logo, não se trata da mesma marca. Mas quem protege o trabalho do designer?

O impacto nos designers independentes

A “dupe culture”, como chamam essa nova tendência comportamental, atinge muitas empresas grandes de moda e beleza, mas também respinga em pequenos negócios e artistas independentes. Afinal, embora não haja cópia direta da marca em si, isso não garante que o design não será plagiado.

Além disso, a associação de um produto com uma réplica inferior e massificada pode banalizar a percepção do item genuíno. O apelo dos preços muito mais baixos das dupes, frequentemente, faz com que os consumidores hesitem em investir no produto original.

Há alguns dias, o designer brasileiro Vittor Sinistra acusou a marca Incerunmen, vendida na plataforma Shopee, de plagiar uma de suas peças e comercializá-la sem autorização. A peça, que pertence à primeira coleção do estilista apresentada em 2022, era exclusiva e já havia sido vendida há algum tempo. Em relato recente, Vittor afirma ter entrado em contato com a plataforma, que se disponibilizou a ajudá-lo.

Algumas marcas, como a canadense Lululemon, buscaram formas de revidar essa trend. A empresa de athleisure realizou uma ação de marketing em Los Angeles, na qual o público poderia trocar seus dupes por peças originais. A ideia era investir em novos consumidores a longo prazo, provando que a qualidade das peças prevalece. Ainda é cedo para sabermos o desfecho em dados, mas a campanha repercutiu como um case genial.

@ocastrinus

Ya’ll need to RUN not walk to swap your dupes for the real Align leggings at the Align Legging Dupe Swap 🤩 #lululemonAlign @lululemon

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Outro exemplo que gerou polêmica na indústria da moda foram as “Wirkins”, as imitações desenvolvidas pela Walmart da famosa bolsa Birkin, criação da Hermès. Enquanto a Birkin original pode chegar a mais de 400 mil dólares, alguém vendeu a réplica por apenas $78.

No Brasil, ainda não há uma lei específica para trabalhos de moda. Porém, estilistas podem recorrer à Lei de Propriedade Industrial e à Lei de Direitos Autorais, que protegem o desenho industrial (incluindo o design e a estamparia), a marca e as patentes de seus croquis e criações.

Mas afinal, de onde e por que surgiu a “dupe culture”?

Desde o século XX, as pessoas utilizam réplicas para tentar pertencer a determinados grupos sociais, geralmente da elite. Em Paris do século passado, as imitações de peças de alta costura eram praticamente uma instituição, chegando a mais de 100 casas de cópia na cidade no ano de 1929. Uma coisa não mudou: a falta de acesso a artigos de luxo e a aspiração ao pertencimento.

Há uma razão por que dupes são mais comuns na Geração Z. Com cerca de 20 e poucos anos, as pessoas dessa geração estão no início de suas carreiras. Com o atual cenário socioeconômico e a crise do mercado de luxo, que segue aumentando seus preços, o poder de compra, principalmente dos mais jovens, está cada vez mais reduzido.

O tempo todo o consumidor atual é bombardeado por publicidades, conteúdos e microtendências, incentivando-o a consumir cada vez mais, movido pelo desejo de fazer parte de algo maior. Sem conseguir adquirir todos os produtos, surgem alternativas mais acessíveis, mas sem a mesma qualidade, de forma que serão descartadas após alguns meses.

Esse ciclo vicioso não é culpa apenas dos consumidores. Ele surge das campanhas de marketing agressivas e dos preços excludentes das marcas de luxo. Sem acesso e impulsionados pelo desejo de status e pertencimento, essa tendência só aumenta.

Qualidade e sustentabilidade ainda têm espaço?

De acordo com levantamento feito pelo site Trustpilot, entre 30% e 49% dos consumidores acabam se decepcionando com os dupes que compram online.

Isso porque, para baratear a produção, os materiais usados são inferiores e a qualidade decai consideravelmente. Além disso, muitos são produzidos por empresas de fast fashion, que utilizam de trabalho exploratório em sua fabricação. Na ânsia de correr atrás da última tendência, a qualidade das peças fica em último lugar e a preocupação com a sustentabilidade sequer aparece nesse cenário.

A dupe culture não é um fenômeno isolado, mas um sintoma de um sistema de moda que privilegia o acesso imediato em detrimento da longevidade e da ética. Se, por um lado, as réplicas democratizam estéticas antes restritas a poucos, por outro, perpetuam um ciclo de descarte acelerado, cópia de designs independentes e precarização laboral.

O desafio está em equilibrar o desejo por tendências com a responsabilidade sobre o que (e de quem) se consome. Enquanto marcas de luxo mantiverem preços excludentes e o mercado não regulamentar a cópia de designs originais, os dupes seguirão como uma solução contraditória: alívio para o bolso, mas um risco para a criatividade e o planeta.

Escrito por: Anna Ogoshi | Editado por: Flavia Cavalcante

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