
Victoria’s Secret: do padrão à diversidade
Entre promessas de inclusão e a sombra do passado, Victoria’s Secret volta às passarelas tentando recuperar relevância

Depois de retomar seus desfiles em 2024, a Victoria’s Secret volta a Nova York no dia 15 de outubro com uma nova edição de seu lendário Victoria’s Secret Fashion Show. O espetáculo, que já foi símbolo máximo da padronização de corpos na moda, chega agora cercado de expectativas: diversidade, inclusão e novos nomes no comando criativo.
Entre os destaques, estão o retorno de rostos conhecidos, como a brasileira Adriana Lima, e a estreia de Adam Selman como diretor criativo executivo, estilista responsável por looks memoráveis de Rihanna e da marca Savage X Fenty. Mas a grande questão é: essa reformulação representa uma mudança genuína na cultura da empresa ou apenas uma estratégia para reconquistar relevância em um mercado cada vez mais atento às críticas do movimento body positive?
O body positive é um movimento social e cultural que surgiu para valorizar todos os tipos de corpos, em oposição aos padrões estéticos rígidos impostos pela sociedade ao longo dos anos. Embora esteja muito associado à luta contra a gordofobia, ele se estende a qualquer corpo considerado “fora do padrão”, seja por não ser magro, não ter músculos definidos, carregar cicatrizes, marcas ou simplesmente por não corresponder à imagem de perfeição vendida pela mídia.
Durante décadas, a moda, a publicidade e a indústria do entretenimento reforçaram a ideia de que a beleza estava restrita a corpos magros, altos, bronzeados e sem imperfeições visíveis. Essa ideia foi amplamente sustentada por normas sociais e interesses capitalistas, que lucravam ao vender a promessa de atingir tal padrão.
O movimento ganhou força a partir de 2010, junto com a ascensão das redes sociais e a democratização do acesso à informação, o que deu espaço para a mobilização de grandes públicos em prol dessas causas. Como resposta a esse cenário, houve uma quebra de paradigma, mostrando que existe beleza além do que foi imposto pela mídia ao longo dos anos. Essa mudança cultural se tornou um divisor de águas, especialmente quando confrontamos exemplos como os desfiles da Victoria’s Secret, um dos maiores símbolos da padronização de corpos e da construção de um ideal estético inatingível.
As famosas Angels da Victoria’s Secret foram durante muito tempo consideradas a personificação dos padrões de beleza. Corpos magros, altos, tonificados e dentro de um padrão eurocêntrico eram vistos como objetivos de vida para muitas mulheres. Os desfiles, que atraíam um público global, ajudaram a cristalizar esse ideal quase impossível de alcançar. Modelos como Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrosio ditavam os padrões de beleza no início dos anos 2000, reforçando a ideia de que apenas aquele corpo era válido dentro da moda e da sociedade.
Essa busca pela perfeição extrema, reforçada ano após ano pelos desfiles da marca, teve um impacto profundo na percepção coletiva de beleza, criando um ideal praticamente inatingível. Muitas mulheres passaram a se comparar constantemente com as “Angels”, internalizando frustrações e inseguranças ao não se encaixarem naquele padrão restrito.

No entanto, com o fortalecimento do movimento body positive, esse discurso passou a ser cada vez mais questionado. O que antes era visto como sinônimo de glamour começou a ser interpretado como exclusão, falta de diversidade e até como responsabilidade direta por alimentar distúrbios de imagem e baixa autoestima em uma geração inteira.
Em 2018, o então diretor de marketing da marca, Ed Razek, declarou à revista Vogue que a Victoria’s Secret não tinha interesse em incluir modelos plus size ou trans em seus desfiles: “Nós fazemos campanhas para quem vendemos, e nós não vendemos para o mundo inteiro.” Disse o diretor. Essa recusa em se abrir à diversidade acabou se tornando a maior fraqueza. Diante de um público mais consciente e exigente, a marca acabou perdendo sua relevância e credibilidade, o que contribuiu diretamente para a queda de seus desfiles a partir de 2019.
Mas será que essa mensagem sobre positividade ainda tem relevância nos dias de hoje? Podemos dizer que a diversidade “saiu de moda”? Nos últimos anos, principalmente após a pandemia, surgiu uma onda em torno da chamada estética saudável vendida como corpo e vida saudáveis, mas muitas vezes disfarçando preconceitos contra a diversidade corporal. Nesse mesmo período, a busca por cirurgias plásticas e por receitas “milagrosas” cresceu exponencialmente. Cada vez mais, vemos pessoas que antes defendiam pautas de inclusão e diversidade se rendendo às pressões estéticas.
E por que, mesmo com essa nova onda da magreza extrema, as pautas sobre diversidade e body positive continuam tão relevantes? Uma possível explicação está no conceito filosófico de alteridade, trabalhado por Emmanuel Lévinas, que significa reconhecer o outro em sua diferença. Identidade e alteridade se constroem em contraste: só existe “nós” em oposição a “eles”. Esse conceito ajuda a entender como as marcas muitas vezes se apropriam de pautas sociais sem aprofundá-las, usando-as apenas como ferramenta para gerar engajamento e audiência.
É justamente nesse ponto que se insere a volta do desfile da Victoria’s Secret, em 2024, agora com um novo discurso. Depois de anos sendo símbolo da padronização estética, a marca buscou se reinventar, apostando na diversidade como estratégia para reconquistar relevância no mercado. A alteridade, antes negada ao excluir corpos diferentes, modelos plus size ou trans, passou a ser incorporada em seu retorno sob a bandeira da valorização da pluralidade.
O espetáculo trouxe de volta rostos icônicos como Adriana Lima, Candice Swanepoel, Gigi e Bella Hadid, Kate Moss e Naomi Campbell, modelos consagradas e de grande relevância no cenário fashion, ao lado de nomes que simbolizam a mudança cultural, como a modelos trans Valentina Sampaio e Alex Consani, e as modelos plus size Paloma Elsesser e Ashley Graham. Essa combinação buscou oferecer a representatividade que faltou nos anos 2000 e 2010, cuja a ausência foi um dos fatores que contribuíram para a queda da marca.
Assim, a trajetória da Victoria’s Secret do auge, à queda e ao retorno reformulado, reflete não apenas as mudanças no mercado da moda, mas também na transformação e na forma como a sociedade enxerga os padrões de beleza. Durante anos, seus desfiles ajudaram a moldar um ideal de corpo quase inatingível, que impactou diretamente a autoestima e a relação de muitas mulheres com seus próprios corpos.
A queda da marca evidenciou o poder de movimentos sociais, como o body positive, em questionar e desestabilizar discursos excludentes. Já o retorno do desfile com um discurso de diversidade e representatividade mostra como as tensões entre padronização e inclusão ainda estão em disputa. Mais do que um espetáculo de moda, o desfile se tornou um espelho das mudanças culturais em torno da beleza, revelando como ela pode ser compreendida de formas muito mais amplas, plurais e democráticas.
Escrito por Moeisha Bastos | Editado por Ana Carolina Gomes
