Tendências: das passarelas para as ruas

Tendências ditam a moda? O quão na moda está o seu guarda-roupa? Se você não o atualizou com os últimos lançamentos, a resposta parece óbvia. O que então faz com que um guarda-roupa esteja de acordo com a moda? Nesse caso, a resposta parece impossível. 

Isso porque, duas vezes ao ano, coleções de primavera/verão e outono/inverno apresentam novidades que irão ditar a próxima temporada. Seja a cor, o tecido ou o tamanho das peças. A partir do momento que diversas celebridades começam a utilizar suas predileções nos tapetes vermelhos e nas redes sociais, o desejo é instigado. E consequentemente e quase que automaticamente, as fast fashion reproduzem essa mesma peça. Para responder a primeira pergunta, o mais óbvio seria pensar se o seu guarda-roupa possui esse item. Ou todos esses, de todas as tendências. 

Vamos entender o conceito de tendências

A linha de raciocínio parece simples. Nas redes sociais, diversas contas com conteúdo de moda analisam os desfiles e apresentam ao público qual será a próxima tendência. Parece até místico o poder que as marcas têm de “criar” uma tendência e apresentá-las de forma tão potente nos desfiles. Mas não é isso que acontece. Entender esse processo é o primeiro passo para conseguir analisar da forma mais fidedigna possível o que representa estar ou não na moda. 

Tendência, por si só, é um movimento comportamental, presente em toda sociedade. Na moda, não seria diferente. Os itens apresentados por marcas são, na verdade, “sobreposição de camadas: a do comportamento das pessoas somada a da estética da marca”, explica a Dra. Luz Neira García, fundadora do Fashion For Future. É a própria sociedade, como um todo, que dispõe quais serão as próximas tendências, e são os coolhunter que conseguem captar isso e disponibilizam sua análise para as marcas, que criam coleções tendo o conhecimento do que a sociedade está preparada, aberta e ansiando ter.

O que fazem as marcas?

“O que as marcas fazem é traduzir a tendência que está sendo apresentada pela sociedade para seu próprio DNA, criando peças que unem a tendência de comportamento com suas próprias características. Nenhuma marca dita uma tendência para a sociedade, porque não é possível impor algo se a sociedade não estiver pronta”, explica as coolhunters Giovana Cornacchia e Mariáh Cidral, fundadoras da Clémentine Paris.

Tendências têm o costume, não só na moda, de retornarem de tempos em tempos. Ao contrário do que muitos acreditam, não são as marcas que trazem de volta uma peça ou um estilo. Mas, a própria sociedade já apresentava sinais de que estava caminhando para o retorno daquela tendência – as marcas entenderam a situação e seguiram o caminho. Entender que “ninguém faz tendência, e sim identificam elas”, como pontua a Clémentine, pode ser libertador para algumas pessoas. Estar de acordo com a tendência não necessariamente está vinculado a uma marca ou a uma peça de roupa. É um processo cíclico que parte das pessoas, de forma inconsciente, e retorna à elas. 

Entre o ver e o querer

Independente da análise social ou do desprendimento sobre o que é tendência ou não, um fator  fundamental no estabelecimento de tendências são as celebridades. Para quem gosta de moda, assistir a um desfile e acompanhar de forma crítica e profissional as coleções de cada temporada é simples. Mas é uma pequena parcela da população que se dispõe e gosta desse processo. A grande maioria assimila o que é tendência por meio das celebridades, afinal, “são elas que vão colocar a moda e as tendências no mercado”, afirma Giovana. 

São os looks escolhidos pelas celebridades, desde os tapetes vermelhos até a postagem do #LookDoDia, que apresentam para o consumidor qual item será seu próximo desejo. Além da vontade de se aproximar de alguma forma do famoso, a teoria da empatia, para Luz, fundadora do Fashion For Future, é a principal explicação para o relacionamento que é criado entre o consumidor e o produto. 

Teoria Estética

A teoria estética explica que, quanto mais contato uma pessoa tem com algo, mais ela tende a gostar daquilo. Ou seja, quanto mais exposto a uma informação de moda, seja por meio de campanhas publicitárias, de comerciais, do cinema, da televisão, das redes sociais ou de celebridades, mais o consumidor tende a gostar do produto. 

O fenômeno é simples e acontece quase diariamente: se vejo uma influenciadora que gosto usando um tipo de bota, depois vejo duas propagandas da bota, ligo na novela e uma das personagens também está usando a mesma bota, sinto cada vez mais vontade de ter uma igual. Não importa se a bota está na moda ou não. Esse é o fenômeno que, segundo Luz, acontece com pessoas comuns, que não pensam em usar ou em comprar um produto por ele ser uma tendência. “Ela simplesmente gosta daquele produto e compra. Não existe um pensamento de moda por trás, é muito mais sobre o comportamento do que sobre a roupa”. 

Tendências e celebridades

Então tudo que as celebridades usam é tendência? Não, principalmente se analisamos os looks usados em desfiles. “A passarela é muito teatral, as roupas ali são quase uma fantasia, feitas para serem polêmicas e para chamarem a atenção”, pontua a Clémentine.

Um exemplo simples é a calcinha da Miu Miu. Na coleção de primavera/verão, diversas celebridades, incluindo as brasileiras Boca Rosa e Malu Borges, marcaram presença no desfile usando apenas calcinha na parte de baixo – na quantidade que quiserem, mas apenas calcinha. Desapegar da calça, do short ou da saia não é e nem será uma tendência – não é minimamente viável ou seguro –, mas a ocorrência desses looks pode ser interpretada, como explica Clémentine, pelo retorno dos mini curtos. 

Análises profissionais à parte, a celebridade tem o papel de ser a ponte entre o comercial e o público – e o faz de forma poderosa, movimentando um mercado intenso. É com base no desejo de consumo que fast fashions ao redor do mundo copiam uma peça ou um modelo que está sendo comentado nas redes – e pronto, o sentimento no consumidor é de que ela está na moda se ele possui aquele item. 

Tendências e a regra do consumo 

Mas a realidade não é tão simples assim. As redes sociais abriram portas para que todos, incluindo especialistas, influenciadores ou pessoas comuns, tivessem a oportunidade de dar sua opinião, de fomentar e de comentar tendências. Hoje é praticamente impossível estabelecer uma tendência específica que está em alta pelo bombardeamento de tantas informações. Ao mesmo tempo, tendências de vestuário, de maquiagem e de acessórios surgem e desaparecem. 

O movimento que é uma tendência hoje, para Luz, é o “de compra”, ou o de “entrada de um novo produto no armário”, seja por meio de um brechó, bazar com as amigas ou compra em lojas. “Vejo muitas pessoas comentando mais sobre a compra do que sobre a roupa, porque acredito que está cada vez mais difícil falar sobre tendência”, explica. 

Mainstream

Já para a Clémentine Paris, essa tendência faz parte de uma parcela da sociedade chamada de “grupo mainstream”. Pessoas desse grupo entendem o ato de comprar como necessário para estar em alta – não obstante representam a maior parte do mercado consumidor da moda. O consumo é parte principal da manutenção de tendências para esse grupo, assim como o descarte de peças pela falta de espaço e pelo desuso. 

“Muitas vezes, as pessoas não conseguem perceber que podem reutilizar seu próprio guarda-roupa, porque a moda é um pêndulo. Se olhar com cuidado, você com certeza tem peças que estavam na moda em algum momento e que irão voltar a estar em alta”, afirma Giovana. Fazer esse tipo de análise própria é muito difícil, e tudo bem não conseguir. As informações de moda não só são constantes em todos os meios de comunicação, como também promovem pertencimento – não ter uma peça ou um item pode despertar o sentimento de deslocamento. É um ciclo vicioso, e não necessariamente errado. O importante é ter consciência de que faz parte dele e entender até que ponto você consumidor é refém dos ciclos de tendência –  e quão maléfico isso pode ser para você e para o meio ambiente. 

Estar na moda

O que é estar na moda, então? Para a Clémentine, é se desconectar dela e da necessidade de seguir as diversas tendências que aparecem. “Quando se desconecta da moda, vai estar sempre na moda, porque vai vestir peças que fazem sentido para você e te representam”, pontua Mariáh e Giovana. Para elas, essa é a chave para a autenticidade.

Luz, por outro lado, não acha que é importante estar ou não em alta – muito menos que exista autenticidade. “Somos quase 8 bilhões de pessoas no mundo. Como é que você pode ter a pretensão de querer que ninguém seja como você?”. Apesar disso, ela acredita que tentar evitar as fórmulas do sucesso seja um primeiro passo. Isso não significa que, ao ver um vídeo de como usar uma camiseta de 5 formas diferentes você deva ignorar todos, mas sim que, se for reproduzir um, que o faça de acordo com o seu gosto e personalidade. Essa fidelidade, no final das contas, é o que vale a pena.

Escrito por: Mavi Faria | Editado por: Flávia Pereira