
Feminilidade e anti-intelectualismo: do “clean girl” às “tradwifes”
Tendências como “clean girl” e o estilo de vida “tradwife” estão em alta nas redes sociais, resgatando uma estética feminina marcada pela delicadeza, submissão e até infantilização. Embora pareçam inofensivas ou nostálgicas à primeira vista, essas tendências podem reforçar ideais conservadores e limitantes sobre o papel da mulher na sociedade.
O desmerecimento do intelecto feminino e a falta de apoio à independência das mulheres não são novidades. Apesar de essas ideias serem, em grande parte, rejeitadas pelas novas gerações, o conservadorismo tem se reinventado, agora com uma nova roupagem: uma estética de elegância minimalista, porém marcante. Essa nova forma de expressão tem ganhado cada vez mais espaço nas redes sociais, especialmente entre o público jovem.
Entre a naturalidade e o controle
O estilo “clean girl”, caracterizado por cores neutras, tecidos leves e maquiagem natural, pode parecer inofensivo à primeira vista. No entanto, essa estética limita a expressão criativa e reforça a ideia de um “luxo silencioso” (silent luxury), adotado por muitas criadoras de conteúdo como símbolo de sofisticação e status discreto.

Essas criadoras de conteúdo focam em mostrar uma rotina cuidadosamente montada, com looks impecavelmente escolhidos, objetos em tons suaves e atividades silenciosas.
Esse estilo virou um padrão aspiracional, fazendo com que tudo o que foge desse ideal seja visto como cafona ou sem elegância. O resultado é a promoção de um conservadorismo moderno, disfarçado de sofisticação, que resgata antigas visões de uma feminilidade limitada, delicada e submissa.
O estilo “clean girl” vai além de uma estética visual, ele se tornou um fenômeno cultural que molda comportamentos e define expectativas, principalmente entre as gerações mais jovens.
Por isso, questionar essa estética é também uma forma de resgatar a liberdade de ser complexa, vibrante e, acima de tudo, autêntica — sem abrir mão da criatividade e do estilo pessoal que ultrapassam os limites impostos pela norma.
O charme nostálgico e a realidade de submissão
Já o estilo “tradwife”, abreviação de traditional wife, ou “esposa tradicional” em português, é uma das vertentes em ascensão dentro desse novo conservadorismo com estética refinada.
Inspirado no visual retrô dos anos 1950, esse estilo é frequentemente promovido por influenciadoras no TikTok, como a modelo Nara Smith, que soma mais de 11 milhões de seguidores na plataforma e cerca de 5 milhões no Instagram.

Apesar de ter uma carreira bem-sucedida na indústria da moda e uma linha de utensílios de cozinha popular, Nara Smith compartilha em suas redes sociais a imagem de uma “esposa tradicional”, com um marido provedor e uma vida luxuosa.
Essa narrativa, embora esteticamente atrativa, pode exercer uma pressão invisível sobre suas seguidoras, que, encantadas pelo visual e pelo discurso, acabam por aceitar limitações disfarçadas de liberdade.
O movimento tradwife levanta questionamentos importantes sobre as conquistas femininas e o longo caminho que ainda precisamos percorrer para garantir que as mulheres possam ser tudo o que quiserem, sem abrir mão de sua autonomia.
Em uma época em que se luta para desconstruir estereótipos e expandir os significados da feminilidade, o resgate de um modelo tão restrito lembra que a liberdade verdadeira só existe quando as escolhas são múltiplas e respeitadas, e não quando um padrão único é imposto sob o verniz da tradição.
A rebeldia de viver em cores em um mundo que quer acinzentar
Historicamente, tudo o que é associado ao feminino tende a ser visto como fútil, frívolo ou até mesmo imoral. Diante disso, muitas mulheres acabam internalizando essas percepções, modificando seu comportamento, suavizando seu caráter, e, ainda assim, o desejo de ser vista e reconhecida permanece.
A verdade é que a maioria das mulheres não quer viver em um mundo cinza. Elas não querem neutralizar sua personalidade para evitar críticas, muito menos abrir mão de sua autonomia. Querem usar maquiagem colorida, roupas com personalidade, cheias de acessórios. Querem ser autossuficientes.
Talvez a resposta para esse dilema não seja ter mais cuidado, e sim ter mais coragem: coragem de se expressar, de fazer escolhas que reflitam seu gosto pessoal, mesmo que ele não esteja alinhado com a mais nova tendência das redes sociais.
Em um mundo que, silenciosamente, reduziu as cores e revive ideias retrógradas, escolher ser você mesma se tornou um ato desafiador.
É fácil enxergar glitter e elementos fora do convencional como superficiais — afinal, essa foi a narrativa vendida para nós: a beleza deve ser subjugada para ser respeitada, as personalidades reduzidas à passividade, e a feminilidade suavizada para ser levada a sério.
Mas e se o contrário for verdade?
E se, em uma cultura obcecada por minimalismo e restrição, a atitude mais corajosa for justamente ser uma explosão de cores?

Não se trata apenas de recusar o minimalismo, mas de rejeitar a inverdade que insistem em propagar.
É entender que maximalismo, feminilidade e intelectualidade andam lado a lado. É reivindicar o direito de existir de forma exuberante e complexa, ocupando espaços com presença, não com silêncio.
Porque há potência na estética, política no estilo e resistência em cada escolha que foge do molde imposto. Escolher o excesso, a cor e a expressão plena é também uma forma de manifestar liberdade, subjetividade e presença, sem pedir permissão para existir por inteiro.
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Escrito por: Julia Claro | Editado por: Gabriella Lima

