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“Bonitas Demais Para Trabalhar?”: A Armadilha Do Conservadorismo”

O conservadorismo tomou uma forma diferente na última década. Até onde podemos considerar que essa onda de extrema feminilidade não tem um embasamento conservador? Estamos cercadas de meninas que consideram-se “bonitas demais para trabalhar”, mas até onde esse discurso é bom? Em qual momento devemos parar e pensar em nossos direitos e deveres sociais como mulheres e como frases como essa são tóxicas para um movimento inteiro. 

Deixando em segundo plano de papo de “feminismo” e focando em nossos direitos como mulheres, apesar de em 1932 termos sido permitidas ao voto por Getúlio Vargas em um jogo político e eleitoral, mas apenas em 1946 conseguimos o direito de votar sem permissão do marido, até 1962 não éramos permitidas viajar ou trabalhar sem autorização de um homem responsável, fosse marido, pai ou irmão, sendo que essa permissão poderia ser facilmente revogada, não tínhamos direito à herança familiar ou assinar documentos, nem mesmo comprar ou vender imóveis por conta própria, também éramos impedidas de votar e não tínhamos direito ao CPF até a década de 1980, ganhamos ‘direitos e deveres iguais’ apenas na constituição de 1988, antes disso éramos consideradas incapazes, máquinas de reprodução e ‘rainhas do lar’ — exatamente com essas palavras, mesmo que esse termo tivesse sido abandonado em 1930, ainda éramos vistas dessa forma por homens. Mulheres eram internadas, enviadas para hospitais psiquiátricos, tratadas como loucas e histéricas por inúmeros motivos; gravidez indesejada ou apenas por ter um senso de liderança acima de homens, ou não desejar um casamento. Enquanto isso, homens saíam impunes de agressões e violências, sendo que em apenas 1985 ocorreu a criação da delegacia da mulher, mesmo assim, ainda em tempos atuais, muitos homens não tem punição alguma pelos crimes e brutalidade contra mulher.

Passeata do Dia da Mulher no Rio na década de 1980

Nossos direitos são extremamente recentes para sentar e continuar observando para onde essa onda de conservadorismo caminha.

Mas mulheres não têm direito de serem femininas? Ao contrário, entretanto existe uma necessidade de consumo sendo atrelada ao feminino, a capitalização dos cuidados pessoais criou problemas sérios para as meninas e mulheres dos últimos cinco anos, agora, tudo é uma bolsa para que sejamos melhores, tudo é um produto novo de uma marca caríssima que fará milagres em nossa pele e manterá nossa juventude por mais tempo, tudo é uma extrema necessidade de comprar, mas por qual razão? Isso realmente vem da vontade de estar sempre bonita ou pela pressão estética que sofremos para performar uma feminilidade capitalizada. É preciso comprar para ser feminina? Nunca, só que esse consumismo exacerbado vem reduzindo mulheres novamente à imagem que algumas de nós lutaram anos para conseguir tirar; que mulheres são consumistas, sem noção do valor do dinheiro e, principalmente, interesseiras. Essa vontade de mostrar que gosta, e precisa, comprar vem ocorrendo especialmente em mulheres, mas por qual razão esse movimento está caminhando juntamente de um discurso conservador? São mulheres que acreditam que viver como esposa-troféu é capaz de trazer algum benefício além do dinheiro por não trabalhar, mas acabam caindo na falácia do “marido provedor” e acabam virando empregadas, cozinheiras e babás em tempo integral para ganhar um perfume ou um sapato ao fim do mês ou quando esse “maridão” decide que ela é merecedora de um “mimo”. Acredita-se e é inconscientemente induzido em meninas que não existe maior gratificação acima de ser mãe; Em Mística Feminina, Betty Friedan diz que algumas meninas estão indo para faculdades em buscas de homens, procurando um casamento, e apesar de ser um livro publicado em 1963, é bastante trágico como nossa geração de jovens mulheres, caindo na falácia da tradwife vendida na internet, estão buscando por mais maridos e menos diplomas. 

Hannah Neeleman e Nara Smith, ambas pioneiras do movimento “tradwife” no tiktok.

Atualmente, tudo que escutamos são coisas como “girls math”, “girl dinner” e uma explicação absurdistas utilizando a palavra girl antes de qualquer outra para justificar que “mulheres podem fazer qualquer coisa” desde que envolva futilidades, gastar dinheiro, burrice recreativa, apenas com objetivo de agradar uma massa que não gosta de nós e nem da nossa independência, apenas querem que a gente fique numa posição de constante submissão e serventia, apenas objetos para reprodução, para ser exibido, e então, ignorado. O que ocorre é que mulheres são responsáveis por coisas incríveis; Mary Shelley escreveu Frankenstein a partir de sua visão da visão feminina sobre o ego masculino de criar vida sem necessitar de uma mulher, enquanto isso Jane Austen escreveu e satirizou romances, Charlotte Brontë deu vida à Morro dos Ventos Uivantes, e Zelda Fitzgerald teve seu trabalho roubado por F. Scott Fitzgerald, Ada Lovelace desenvolveu os princípios da ciência da computação, Hedy Lamarr que criou a ideia do Wi-Fi; Tudo que nós fizemos, e continuamos fazendo, independente do que tiraram de nós, é um legado nosso e ninguém pode apagar isso da nossa história.

Em ordem; Mary Shelley, Charlotte Brontë, Zelda Fitzgerald e Hedy Lamarr.

O trabalho é responsável por dar independência financeira e fazer com que nos tornemos tão cidadãs quanto os homens, algo que não éramos antes de 1980. É compreensível que seja difícil e que nem sempre é algo que amamos ou gostamos, mas também é capaz de fazer com que mulheres possam caminhar sem um homem, enquanto tivermos nossas ambições e desejos, nada poderá ser tirado de nós. Não podemos abandonar nossos sonhos ou nossa consciência em razão de conseguir estar dentro de uma caixa que o conservadorismo tenta colocar mulheres desde que conseguimos direitos constitucionais, nós não precisamos de casamentos para alcançar nossa felicidade, nem de filhos, a individualidade de uma mulher é algo lindo e a necessidade de lutar para manter isso. infelizmente, continua até os dias atuais. Você é bonita, sim, e pode trabalhar tão bem quanto, ou até melhor, que um homem, e nossa feminilidade jamais estará reduzida a um batom ou roupa, está acima de qualquer produto que as indústrias tentam enfiar em nossa garganta. Apesar dos atuais problemas que enfrentamos como mulher, e principalmente, dos terrores, não existe nada mais belo do que ser mulher, é algo que existe conosco desde compreendemos quem somos, são experiências que dividimos umas com as outras, é ter consciência que existe algo além dos sentimentos ruins que perseguem a gente quando estamos sozinhas. 

A resistência feminina é, acima de qualquer coisa, um manifesto silencioso contra homens que tentam tirar nossos direitos.

Sufragistas em protestos pelo direito ao voto, em Londres, 1908.

Escrito por Katherine Macelli | Editado por Ana Carolina Gomes

 

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