Moda

Chanel após Virginie: o que vem por aí?

A diretora criativa Virginie Viard deixa seu legado para a Chanel, depois de 5 anos à frente da marca. O que podemos esperar do próximo nome a assumir a cadeira tão disputada no mundo da moda?

A casa de moda de luxo francesa foi fundada por Gabrielle Chanel, em 1910. Começou vendendo chapéus e acessórios, mas tornou-se uma marca conhecida por combinar arte tradicional com expressões criativas e vanguardistas.

A então diretora criativa ocupou a cadeira por cinco anos, número simbólico para a Maison. Depois, passou mais de 30 como o “braço direito e esquerdo” de Karl Lagerfeld, sendo a terceira na “sucessão pós Gabrielle“.

Anteriormente, o Kaiser foi responsável por levar frescor e atitude às coleções e aumentar o faturamento da grife. Reinventou a estética da marca com uma ideologia fashionista e entre 80 e 2000, retomou o marketing direcionado ao público jovem.

Os jovens queriam comprar Chanel, porque Karl a modernizou sem perder o nome. Isso gerou, então, cada vez mais desejo por parte do público, além de impulsionar a ascensão e procura pela marca.

2000 foi marcado pela Chanel by Karl Lagerfeld e Gucci by Tom Ford, porque todas as it girls do momento vestiam ambas as grifes. Estas, contavam com a famosa cintura baixa – quem lembra da Paris Hilton em seu auge?

Chanel Karl Lagerfeld, 1990.
Chanel by Karl Lagerfeld, nos anos 1990.
Foto: Ayersh Magazine

Para se adaptar aos padrões da geração Z, a Chanel procurou investir em um peças glamourosas e um luxo inalcançável, com logomania e peças dramáticas. Porém, mantendo os códigos da marca intactos, como, por exemplo, o uso de tecidos clássicos – tweed e jersey, por exemplo.

Chanel sob direção de Virginie

Virginie, ao contrário, continuou o legado de Karl com uma visão mais disruptiva da marca, igualando-se a uma moda mais parecida com a que Gabrielle faria.

A questão que ecoa no ar é: a Chanel precisa de uma abordagem mais agressiva em suas coleções? Uma versão 2.0?

É necessário um rebranding, ou seja, criar um novo conceito de marca, se o público-alvo aceitou tão bem a direção de Virginie, nesse estilo mais romântico e preppy – com os códigos da marca ao seu favor? Visto que Virginie manteve o clássico, o jovem e a proposta de vanguarda, é uma questão que fica.

Chanel alta costura SS24, Virginie Viard
Chanel Alta-Costura Verão 2024, by Virginie Viard.
Foto: Vogue Runway

Posicionamento da Maison

O presidente da Chanel, Alain Wertheimer, se pronunciou recentemente dizendo que a intenção da grife, com o próximo designer a assumir a cadeira de direção criativa, não é “reestruturar”, mas continuar valorizando os códigos da marca, revisitando clássicos de forma atemporal e dando continuidade à história da Maison. Ele afirma que a Chanel não precisa de um novo “aesthetic” – talvez um shade para Alessandro Michele?

Entre tantas opiniões divergentes, nas redes sociais surgiu a discussão: Você gosta mesmo da Chanel? Ou só gosta das criações de Karl Lagerfeld?

Os números respondem

Com uma porcentagem de vendas mais alta do que a era Karl, Virginie Viard aumentou em 16% o desempenho da marca, em 2023, comparado a 2019, segundo a Vogue Business.

Segundo o veículo The Guardian, a receita da marca de luxo foi de £15,4 bilhões, o equivalente a US$19,7 bilhões, em 2023, um aumento de 75% em relação a 2018.

Isso pode ser, em partes, devido ao enorme aumento de preço nas bolsas de marca registrada da Chanel – a bolsa 2.55 custou cerca de £3.000 em 2010, e agora, o proporcional é de £11.000.

As vendas de roupas mais do que dobraram, desde 2018, e a estilista supervisionou um período de sucesso financeiro para Chanel. Contudo, a recepção de suas coleções foram mais silenciosas, com crescimento de 23% no prêt-à-porter – mais conhecido como ready-to-wear -, declara Philippe Blondiaux, diretor financeiro da grife. O ‘burburinho‘ que Lagerfeld criou a cada temporada, com shows majestosos, não foi transferido, o que fez com que a aceitação do público fosse menor.

De toda forma, esses números fizeram muitos questionarem porque Virginie saiu da Chanel, se tudo ia tão bem em questão de números, apesar da baixa aceitação do público na internet. Em contraponto, a marca não aparece na lista “Hottest Brands 2024”, da Lyst Index – o ranking trimestral das marcas e produtos mais quentes da moda.

Esse levantamento considera o comportamento dos compradores do Lyst e inclui pesquisas dentro e fora da plataforma, tais como visualizações de produtos e vendas, incorporações de menções de mídia social, estatísticas de atividade e engajamento no mundo todo, em um período de três meses.

Virginie Viard é braço esquerdo e direito de Karl Lagerfeld
Karl Lagerfeld e Virginie Viard, em 2019.
Foto: Elle

Moda e cinema, sim!

Virginie criou uma sensação de “poder feminino“, uma nota privilegiada da indústria. Ao trabalhar para construir uma comunidade de mulheres ao redor da casa, conseguiu, com o desfile Cruise em Los Angeles, em 2023, um mês antes do lançamento do filme Barbie, incorporar perfeitamente.

Aliás, a Chanel projetou algumas das roupas usadas por Margot Robbie em seu papel no longa. Sob a direção de Virginie, a Maison reforçou o relacionamento duradouro com o cinema, ao apoiar filmes estrelados por seus embaixadores.

A casa também flexionou seus laços com a cena cinematográfica por meio de uma campanha estrelada por Brad Pitt e Penélope Cruz. O curta-metragem, revelado durante o desfile de outono/inverno 2024, foi um remake de “Um Homem e uma Mulher”, de Claude Lelouch, dirigido por Inez e Vinoodh.

Compromisso com o legado da Chanel

Acredita-se que o motivo da saída de Viard tenha a ver com o compromisso dela com o legado da Chanel, entrando em conflito com a visão de Nair, atual CEO da marca.

Esta, reiterou: “O papel de um diretor criativo nos mais altos escalões da indústria do luxo tornou-se cada vez mais complexo e exigente. Requer não apenas a capacidade de projetar continuamente coleções cativantes, mas também compreender profundamente a história, códigos e DNA da marca, bem como a habilidade de evoluir consistentemente a imagem dessa marca em cada ponto de contato do cliente”.

Na visão da executiva, para ter sucesso nesta posição, o estilista precisa de uma visão criativa excepcional, juntamente com a perspicácia estratégica e a previsão para orientar uma casa de prestígio, o que apenas alguns poucos talentos são capazes de manter a longo prazo.

O sucesso duradouro da Chanel é uma prova dos indivíduos notáveis que dirigiram esse papel, gerenciando responsabilidades pesadas com experiência incomparável“, finaliza.

O legado de Coco Chanel

Os designs de Coco Chanel foram revolucionários para a época: não podemos esquecer que ela rejeitou a silhueta tradicional com espartilho. Porém, o que torna a Chanel especial no patamar do alto luxo, em mais de 100 anos de marca, são os materiais de alta qualidade. Desde os tecidos até o hardware, o que garante produtos duráveis e uma propriedade excepcional.

Em resumo, o design clássico e atemporal se torna um ótimo investimento e o amplia o status inigualável.

Coco Chanel
Gabrielle Chanel.
Foto: British Vogue

Chanel, portanto, não precisa de Virginie, por ter sua estrutura de design e marca muito bem estabelecidos no mercado. Essa conclusão ficou clara no desfile de alta-costura desta temporada – Inverno 2024 -, produzido pela equipe de design da Chanel, sem assinatura da Virginie.

O evento acabou sendo um marco para a sua saída, pois, assegurou que a equipe poderia fazer Chanel ser Chanel sem a colaboração da diretora.

A aceitação do público foi muito boa, após o grande espetáculo no Palais Garnier, uma casa de ópera, em Paris, com toques sedutores e dramáticos, apesar do clássico. Estética, essa, que faltava nas criações de Viard, segundo os críticos.

Desfile Chanel alta costura FW24
Chanel Alta-Costura Outono/Inverno 2024.
Foto: Vogue

Impacto no mercado de luxo

Afinal, essa “dança das cadeiras” das marcas de luxo estão atingindo os negócios? Embora o aumento de valores contribua para o baixo consumo, o cenário traz grande movimentação. Eryka Salvatore, especialista em mercado de luxo, comenta a inconstância.

As recentes mudanças na liderança das marcas de luxo têm gerado bastante movimento no mercado. Essas mudanças podem refletir uma estratégia para revitalizar a marca, introduzir novas visões criativas e alinhar-se às tendências emergentes. No entanto, é importante ressaltar que, apesar dessas transformações e dos aumentos nos preços, as peças de luxo não perdem seu valor. O valor de uma peça de luxo é sustentado por sua qualidade excepcional, design exclusivo, artesanato impecável e a história que carrega. Além disso, as marcas de luxo têm uma clientela leal que valoriza a exclusividade e o prestígio associado a esses produtos“, explica.

Salvatore continua: “Na minha opinião, a Chanel manterá sua tradição e prestígio independentemente de quem será o novo diretor criativo. A saída de Virginie Viard, assim como qualquer mudança na liderança criativa, pode gerar incertezas a curto prazo, mas a essência e os valores da Chanel são sólidos e bem estabelecidos“.

Desfile Chanel FW23
Chanel Outono/Inverno 2023, by Virginie Viard.
Foto: Vogue

Segundo a especialista, em termos de business, o potencial significativo para a Chanel baseia-se em explorar a intersecção entre tradição e modernidade. Ela esclarece que investimentos em tecnologia, como o comércio eletrônico e experiências digitais personalizadas, podem expandir seu alcance global e melhorar a experiência do cliente. Além disso, considera a sustentabilidade como um fator crucial no luxo moderno – e a Chanel já deu passos importantes nesta direção.

Visão de marketing

Já para Luana Sales, especialista em marketing e comunicação de moda, a Chanel é considerada uma das maiores marcas de luxo internacionais. Consolidada no mercado pela fundadora, a notoriedade da grife foi estimulada por Lagerfeld, que usou a publicidade ao seu favor, após a morte de Gabrielle.

Desfile Chanel alta costura torre Eifel
Alta-Costura Inverno 2017, by Karl Lagerfeld.
Foto: Galerie Magazine

Costumo dizer que Virginie cuidava da produção executiva da Chanel. Fazendo tudo acontecer sem um grande espetáculo, mas dando início à sua jornada na cadeira mais cobiçada do mundo da moda em um momento atípico, onde o mundo enfrentava uma pandemia global, em 2019“, afirma.

Com as tendências de minimalismo e loungewear, como Virginie conseguiria entregar uma moda conceito, digna de Chanel, sem ser tão extra? Ainda sim, neste contexto de mundo, o time por trás da marca foi o que salvou ela neste momento, fazendo tudo se materializar, criando esse cenário de Chanel e entendendo o que faltava no seu público – sem idealizar a grandiosidade da grife”, completa.

A misoginia enfrentada por Virginie Viard

Após esse momento turbulento, pudemos ver Virginie brilhar lindamente com coleções que, apesar de não serem aplaudidas de pé pelos críticos, surpreendem em questão de acabamento, qualidade e números.

Uma mulher à frente de seu tempo, fazendo moda para outras mulheres. Mas, até onde ela poderia chegar? Havia expectativas muito grandes quanto a isso, incluindo a comparação com o Kaiser. As críticas sobre sua direção criativa poderiam ser, no mínimo misóginas, a partir do ponto de vista de uma indústria comandada, predominantemente, por homens de poder – poderíamos até abordar o etarismo, aqui.

Desfile Chanel Cruise 2020
Chanel Cruise 2020, by Virginie Viard.
Foto: Harper’s Bazaar

Não obstante, na contratação do novo diretor, haverá uma mudança geracional bruta, que não será benéfica após 40 anos de Lagerfeld, uma vez que, dentro do cenário mundial, em questão de faturamento, os maiores consumidores de moda de luxo são o Oriente Médio e a Ásia.

Os países asiáticos estão vivendo, nesta era pós-pandemia, uma ressignificação da moda. Ou seja, vão além do pensamento do que irá vestir bem uma mulher e deixam de lado a super feminilidade e o conforto contemporâneo e prático, procurando por algo mais extra e bold. Este espaço precisa de uma entrega muito grande, que vai além da mensagem que ela queria passar, com uma moda mais funcional. Sua escolha pode não ter sido tão bem aceita pela falta de glamour, visto que o último desfile de alta-costura que foi tão bem aceito pelo público, inclusive. Era o que faltava, e o que ela poderia ter continuado fazendo, mas, ainda sim, não seria o suficiente para uma grande marca como a Chanel, da qual o público espera algo maior, envolvido pelo encanto e fascínio”, conta Luana.

Kaiser Karl Lagerfeld na Chanel
Karl Lagerfeld.
Foto: CNN

Próximos desafios

Para o próximo diretor criativo será um desafio ainda maior: uma grande ruptura de estética da casa e de estrutura interna. Para isso ser benéfico, enquanto negócio, deve-se fazer mais do que fazer movimentar o nome do estilista, mas produzir algo comovente. Talvez, nem estejamos preparados para uma comoção como a que tínhamos com Virginie, entregando um lado delicado e feminino à marca.

Precisa da extravagância com buzz envolta dos produtos, fazendo a roda toda girar, sem perder a essência do tradicionalismo Chanel. Gerar inspiração e efeito em se sentir pertencente ao universo da marca, o que não foi feito sob a direção de Virginie, que buscava criar algo mais intrínseco. O poder do belo, contando uma história de empoderamento com sutileza. A nova Chanel buscará algo mais lúdico e investirá em outros produtos, além dos acessórios e do prêt-a-porter, como itens de beleza“, finaliza Luana Sales.

Sucesso independente da direção

A Chanel é intrínseca: uma marca solidificada, com mais de 100 anos, que vai além de qualquer tipo de mutabilidade no mundo da moda. Sempre em ascensão, se fortalece a cada temporada.

Claro que é necessário se adaptar aos movimentos da indústria. Mas, para uma Maison na escala de alto luxo, o tradicionalismo é a essência. A consistência, também, é o que perdura seu esplendor, além de gerar clientes de todos os lugares e idades. Não só o deslumbre, mas também o impacto na vida de adolescentes e jovens que crescem sabendo que Chanel é a marca dos sonhos. O auge de sua conquista, na vida, é presentear-se com uma bolsa.

Pode parecer fútil, mas para quem consome luxo ou tem a meta de chegar em um alto nível financeiro, a Chanel pode ser representada como o fator “cheguei lá”.

Assim, é importante, para o próximo a ocupar a cadeira de diretor criativo, enxergar a marca, o código e potencializar o desejo e a sedução da grife em si. Além de não abandonar os pilares essenciais que a traduzem: feminilidade, representação da história da mulher e um fator extraordinário.

Bolsa clássica Chanel
Chanel Classic Flap Bag (Burgundy)
Foto: Chanel Oficial

É um grande desafio, e oportunidade, continuar o legado de Gabrielle, Karl e Virginie para as novas gerações. A partir disso, a grande pergunta é: quem será o próximo, nesse grande patrimônio da moda, a ter tal aptidão e maestria para uma vaga de tanto poder?

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Escrito por: Caroline Menis / Editado por: Giovanna Ravanelli e Letícia Virgínia

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