Moda,  Tendências

O verão gótico de 2026: entre tendência e subcultura

Muito se tem falado nas redes sociais sobre o chamado “verão gótico” como promessa para 2026. Mas afinal, o que isso significa? Seria apenas mais uma tendência passageira ou um movimento que revela a forma como a moda lida com subculturas?

O termo “gótico” surgiu muito antes de virar sinônimo de roupas pretas ou subcultura urbana. Na arquitetura, que floresceu na Europa a partir do século XII, o gótico representava a primeira grande definição estética do conceito.

Catedrais monumentais, vitrais coloridos, arcos ogivais e torres vertiginosas buscavam a conexão com o divino por meio da luz e da verticalidade. Era uma estética que combinava espiritualidade e grandiosidade, criando um impacto no observador.

Séculos depois, esse imaginário de sombras e imponência ressurgiu como inspiração em diversas áreas: na literatura (como Frankenstein, de Mary Shelley, e O Castelo de Otranto, de Horace Walpole), no cinema expressionista e, claro, na moda.

Essa estética sombria nunca deixou de circular no mainstream, mas certos marcos culturais a reativaram e a destacaram. Nos anos 1990, Drácula de Bram Stoker (1992), dirigido por Francis Ford Coppola, apresentou uma versão luxuosa e dramática do gótico, influenciando moda e cultura pop. Mais recentemente, a estreia de Nosferatu em 2025 reacendeu o imaginário vampiresco, reforçando a atração pelo obscuro e pelo impuro.

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Filme Drácula de Bram Stoker (1992) / Divulgação

Na televisão, durante a divulgação da segunda temporada de Wandinha, dirigida por Tim Burton – cineasta conhecido por obras de renome no meio gótico -, a atriz Jenna Ortega tem se destacado nos tapetes vermelhos com elementos como crucifixos, rendas e transparências. Seu visual misterioso e dramático, acompanhado de sobrancelhas descoloridas e maquiagem marcante, ressalta tendências do que podemos esperar no verão de 2026. A ousadia aparece também nos vestidos com decotes profundos e correntes, que remetem às vestimentas de cabaré fetichista que inspiram o gótico.

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Instagram @jennaortega / Reprodução

Na música, Lady Gaga incorporou looks sombrios em seu álbum Mayhem, ecoando símbolos góticos com teatralidade. Esse movimento surge como contraponto ao visual clean girl, minimalista e neutro, que dominou os últimos anos, trazendo de volta o drama e a personalidade como protagonistas do estilo.

Drama nas passarelas

É inegável que a moda da subcultura gótica, por ter sido muito marcante nos anos 1970 e 1980, de alguma forma atingiu muito além do seu próprio círculo devido à sua grandiosidade. A indústria da moda não ficou fora disso, já que a forma de se vestir também é expressão.

O estilista Alexander McQueen já havia abraçado os códigos da vestimenta gótica de forma marcante. Em suas coleções Birds (1995) e Golden Shower (1998), ele encenou espetáculos sombrios e teatrais, incorporando referências góticas que se tornaram icônicas.

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Vogue Runway / McQueen Spring 1998 Ready to Wear

Em Birds, McQueen explorou temas de metamorfose e degradação, com silhuetas que evocavam asas, penas e texturas que remetiam a criaturas noturnas e misteriosas.

Golden Shower (1998) foi marcada por uma estética chocante e provocadora. A coleção brincava com símbolos religiosos, fetiches vitorianos e elementos performáticos, explorando a tensão entre sensualidade e horror. Um dos momentos mais memoráveis foi quando Gisele Bündchen, no auge de seus 18 anos, entrou chorando no desfile porque não queria aparecer de topless diante de sua família que estava presente. Com a maquiagem borrada pelas lágrimas, misturadas à chuva que caía no espaço, criou-se um clímax intenso e impactante, até hoje lembrado pelos amantes de moda.

A coleção de inverno 2002 da Gucci, sob direção de Tom Ford, também se tornou referência dentro do imaginário gótico. Indo na contramão da forte presença do colorido e brilhante estilo Y2K, que estava em seu auge nos anos 2000, Ford resgatou o preto como símbolo de poder, luxo e sofisticação, misturando-o a elementos de sensualidade e provocação.

Hoje, Dilara Fındıkoğlu é uma das estilistas que mais representam o gótico contemporâneo. Diretamente de Londres, ela combina simbologias religiosas, referências vitorianas e corseteria dramática em coleções quase performáticas. Já foi usada por grandes nomes da atualidade, como Charli XCX, Kim Kardashian, Dua Lipa, Bruna Marquezine e Sabrina Carpenter.

Na raiz do gótico

Além das passarelas, o gótico é uma subcultura surgida no fim dos anos 1970 e início dos 1980, no pós-punk. Bandas como Joy Division, Bauhaus, Siouxsie and the Banshees, The Sisters of Mercy e The Cure moldaram um som alternativo cheio de personalidade e sentimentalismo que deu origem a uma identidade cultural própria.

Mais do que estética, o gótico é música, filosofia e comunidade. É um estilo de vida que dialoga com melancolia, arte e questionamento social. A política também faz parte da subcultura, como forma de desafiar e protestar contra padrões da cultura dominante, pregando liberdade de expressão e individualidade. Um exemplo é o apreço pela androgenia e pelas singularidades consideradas “estranhas” pela sociedade.

Tendência ou identidade?

É aqui que surge a principal questão: até que ponto o “verão gótico” é moda e até que ponto é apropriação? Para quem vive a subcultura, o gótico vai muito além do preto e dos crucifixos.

Ainda assim, a visibilidade que a moda e a cultura pop oferecem pode abrir portas. Momentos de exposição massiva funcionam como convite, muitos se aproximam da estética, mas acabam descobrindo uma identidade cultural profunda.

Do Drácula ao Nosferatu, passando por Joy Division e The Cure até as passarelas do mundo da moda, o gótico nunca deixou de inspirar e se ressignificar. Além do tradicional, esse movimento deu origem a tantas outras vertentes, como é o caso dos cyber-góticos.

Não se pode reduzir uma subcultura tão rica como a gótica a uma simples tendência passageira dentro da indústria da moda. Ao mesmo tempo, é inegável que sua influência transcende os próprios limites do movimento, alcançando outras classes e grupos sociais. Afinal, suas características são marcantes, cheias de adereços, combinações estéticas e personalidades singulares.

O importante é termos consciência dessa presença e, acima de tudo, respeito. Ignorar a trajetória e a relevância histórica dessa subcultura seria um erro grave, pois ela contribuiu, e ainda contribui, de forma significativa para a diversidade cultural e estética contemporânea.

Escrito por: Giovanna Té Bassi | Editado por: Flávia Pereira

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