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Yuima Nakazato: Tempo e Memória Marcam Coleção de Primavera 2025

O futuro das grandes civilizações da pós-modernidade está mais próximo do que imaginamos.

Pelo menos, essa é a sensação que temos ao presenciar o desfile de Yuima Nakazato na Semana de Alta Costura em Paris. A coleção, intitulada “Fade” (desaparecer, em tradução livre), voltou-se à passagem do tempo, à memória e à transformação, seja na natureza ou nas paisagens urbanas do futuro.

Conhecido por mesclar materiais tecnológicos e inovadores com técnicas ancestrais para abordar problemas ambientais e celebrar a natureza, Nakazato apresentou looks minuciosamente construídos, explorando o conceito de tempo e movimento.

A ideia da coleção surgiu em uma road trip que quase deu errado, segundo o designer em entrevista após o fashion show. Ao se perder no deserto do Saara, Yuima Nakazato foi confrontado pela concepção de impermanência. Os milhares de anos de história contidos nas formações rochosas africanas o fizeram refletir sobre a força da natureza e a criatura mítica japonesa Namazu que, segundo a lenda, vive sob a terra.

“O deserto, que se move e se transforma sob o céu noturno, parecia uma entidade viva, um eco dessa lenda. E se a paisagem estivesse respirando? E se o Deserto Branco não fosse apenas um relicário do passado, mas uma premonição do futuro? Eu pensei que, vendo como o clima de hoje pode transformar nosso ambiente, o deserto poderia estar antecipando o futuro de cidades como Tóquio”, afirmou o estilista.

Entre Dunas e Tecidos

A contemplação da efemeridade levou à Paris uma coleção repleta de movimento e pormenores, alcançando um novo patamar a partir de tecidos experimentais derivados de resíduos têxteis africanos e da bioengenharia sustentável da Spiber, empresa parceira de Nakazato. Mais uma vez, em sua coleção, passado e presente se fundem na mistura de materiais futuristas e técnicas artesanais japonesas.

Se o tempo foi protagonista dessa coleção, o deserto foi sua representação. Contornando uma duna dourada localizada ao centro da passarela, os modelos exibiam peças pensadas para surpreender independente do ângulo em que se encontrava o telespectador.

De todos os lados era possível enxergar materiais de alta qualidade, belos drapeados quase líquidos e estampas que assemelhavam-se ao efeito do sol e ao intemperismo – seja de rochas ou de ideias. O conceito de movimento e, até mesmo, derretimento em função do tempo, foi traduzido em crochês feitos à mão, além de capas, casacos e túnicas que dançavam aos olhos do público, leves como a própria areia do cenário.

O Jogo de Contrastes na Passarela

O contraste foi alto. Tons de areia, ocre e marfim chamavam atenção ao serem sobrepostos a peças escuras como carvão. Os delicados drapeados foram pareados com peças retas e sóbrias, mas sempre com uma surpresa. A constante tensão entre a fragilidade e resistência permeou toda a coleção. A superfície das peças moldava-se conforme as luzes do cenário, quase como miragens.

A inspiração para a alfaiataria desconstruída vem do Yukata, uma espécie de kimono tradicional. Aliás, a tradição oriental está presente em toda a coleção, seja no conceito ou nas técnicas de tecelagem.

A trilha sonora, composta por sons de vento e ondas, cumpriram o papel de fazer a audiência se sentir em outro mundo. A personificação do deserto enquanto criatura mutável e oscilante nos trouxe um universo até mesmo distópico, que contempla o declínio das civilizações contemporâneas. O styling e a beleza não deixam mentir: generosas joias douradas adornavam os modelos, cuja maquiagem combinada às peças os deixavam parecidos com uma realeza decadente – mas, ainda assim, uma realeza.

O ponto alto do desfile foi o vestido de mais de 2000 peças de cerâmica, criadas à mão em 1000 horas de trabalho e desenterrado ao final do desfile como um tesouro escondido.

“O vestido dourado de cerâmica que fiz não vai ‘desaparecer’ – ele vai existir por 10.000 anos”, disse Nakazato. “Mas outros tecidos desaparecerão em uma vida muito mais curta. Então, a comparação entre uma vida longa e uma curta é o que estou tentando mostrar junto. Isso é o que realmente queria fazer nesta temporada.”

O Saara, que uma vez já esteve submerso em um oceano ancestral, torna-se protagonista de uma coleção que exalta a natureza, a filosofia e o renascimento de ideias que celebram o tempo como mestre supremo da nossa existência.

Escrito por Anna Ogoshi | Editado por Giovanna Bassi

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