Moda Afro-Brasileira: Identidade e Cultura
Protagonismo negro, empreendedorismo e cultura afro-brasileira transformando o mercado e realidade nacional.
Cenários vibrantes das passarelas e ateliês constroem então uma onda repleta de identidade, mas sem esquecer de abrir espaços na moda afro-brasileira e arte independente.
Mais do que tendências, a moda afro-brasileira é expressão de resistência, ancestralidade e empoderamento, porque traça um caminho único e inspirador no universo da moda nacional.
Ao celebrar e enaltecer talentos criativos que têm então redefinido o panorama da moda afro-brasileira e da arte independente, há um marco cultural com uma explosão de núcleos, estilos e significados.
A luz da beleza
A moda afro-brasileira é concebida na conexão com a religiosidade e mitologia africana, algo muito presente na arte e costumes, como o carnaval, escolas de samba e terreiros, por exemplo.
O artista Luiz Moreira, vindo da periferia da Zona Sul de São Paulo, traz o protagonismo negro em sua arte, conquistando então palcos internacionais nos Estados Unidos, e mostrando como a moda e a arte tem sim seu papel transformador e social.
Sua primeira exposição no Brasil, A Luz da beleza, reúne 32 imagens impressas de diversas dimensões, além de vídeos da série visual do artista Ayê e Orum e Oxum às margens do Rio da Barra.
Têm também adornos e objetos em colaboração com os artistas como Diego Silf, Felipe Maltone e Victor Hugo Mattos, mas com vasto repertório de criações tanto para o Fashion Week, quanto outros eventos.
O que diz o artista?
“Eu tenho isso de coroar todas as pessoas pretas, e então trazê-las para o protagonismo. Porque eu trago essa essência pra dentro dessa série. Precisar ter o adereço vem também da minha ligação com o carnaval e com essa coisa brasileira”, diz Luiz Moreira, e continua “A cultura brasileira tem muitos elementos e materiais interessantes de se trabalhar porque conta com uma riqueza absurda.”.
“Cresci acompanhando a Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai, porque tinha essa inspiração mágica, a estética carnavalesca. Ela reflete um pouco nessa série, nas coroas que apresento e nas coisas que trago, ao mesmo tempo que é uma referência e pesquisa forte em cima da mitologia dos Orixás”, completa.
A carreira
Luiz Moreira conta que sua carreira é um sonho, porque há dez anos não a imaginaria ser possível. O artista vem de uma realidade onde os pais não o incentivavam a ser artista, e nem acreditavam que com arte ele poderia sustentar-se. Sua mãe, por exemplo, nunca tinha entrado em um museu antes.
Mas, ao pedirmos para compartilhar dicas sobre carreira com aqueles que estão começando, principalmente artistas negros se lançando no mercado, Luiz relata: “Estudem, pesquisem e criem, mas não tenham medo de desenvolver projetos. Leiam bastante, e então escutem muitas músicas, porque as inspirações vem de muitos lugares”, conta.
“Pra mim, por exemplo, a inspiração vem também de experiências. De pegar as coisas ruins e pôr pra fora numa música, poema, fotografia ou artigo. É não se apegar nas coisas ruins e então tentar a todo custo fazer o que você tem vontade e o que sonha realizar”, finaliza.
Foto de Barbara Paula – Exposição a Luz da Beleza na Casa França Brasil, RJ 2023
África Fashion Week no Brasil
A cultura Afro-Brasileira abre espaços no mercado de trabalho para a comunidade negra, mas também tem o papel de contar a história, materializar sonhos e a esperança de gerações.
Só para ilustrar, o fotógrafo americano Patric McCoy afirmou pontualmente: “Acho que todo indivíduo tem fome de ser retratado de uma forma reconhecível e positiva. As pessoas querem se ver e serem representadas. É por isso que vamos a museus para ver imagens”, relata.
“Elas nos ajudam a refletir sobre quem somos. A sociedade branca mais ampla teve séculos de suas imagens sendo representadas e projetadas como importantes. Mas nós afro-americanos, não temos uma longa história disso. É realmente algo novo”, finaliza.
Esse entendimento captura a essência do movimento que está sendo construído na moda, que chamamos de afrofuturismo. É a moda feita através da perspectiva do homem negro e como ele quer ser visto.
O evento
Um exemplo é a África Fashion Week, fundada pela empresária e especialista em moda, Ronke Ademiluyi Ogunwusi.
A África Fashion Week aconteceu pela primeira vez no Brasil entre os dias 25, 26 e 27 de maio, no Expo Center Norte, em São Paulo. Com a realização de Silvana Saraiva, presidente mundial do Instituto Internacional Feafro, trazendo esse movimento global ao mercado nacional.
A Africa Fashion Week já ocorre em países como Reino Unido e África, motivada a utilizar a moda como ferramenta para combater o racismo estrutural que ainda está ativo na estrutura social do Brasil.
A importância
Claudia Regina Alexandre, jornalista, radialista e pesquisadora de tradições e manifestações culturais afro-brasileiras, Mestre e Doutora em Ciência da Religião (PUC-SP), explica que a cultura afro-brasileira é parte da nossa identidade nacional. “Por um lado, o passado histórico da escravidão negro-africana, que por aqui durou quase 400 anos, deixou muitas marcas, fazendo com que os sobreviventes recriassem sua cultura”, pontua.
“Isso teve influência de diversas culturas trazidas de povos e reinos africanos, mantendo alguns costumes, religiosidade, falares, culinária e arte, marcando o tecido sócio-cultural do país”, completa. A jornalista também ressalta que a moda pode ser utilizada como instrumento antirracista.
Assim como o samba, um movimento de identificação e construção sociocultural que surge dos batuques entrelaçados com práticas ancestrais. Estes, deram origem à capoeira, o jongo, o maracatu, o samba de roda, as escolas de samba e os candomblés.
A cultura Afro-Brasileira e seu papel transformador
Fernando Mendonça, diretor da Ala das Feras do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, é professor de história e relata: “O carnaval pra mim é muito mais do que um evento, porque ao fazer carnaval, defendemos nossa cultura. Eu participo o ano inteiro, não somente nos dias de desfile do Carnaval. Trabalho com a escola e essa festa é só a cereja do bolo.”.
Como muitos outros carnavalescos e sambistas, Fernando acredita que o samba é a nossa cultura e o carnaval é uma das formas de prezar por ela com um movimento genuinamente brasileiro.
Já para a jornalista Claudia, o samba é um complexo cultural. “É ritmo, música, dança, canto, modo de vida, modo de subsistência. É um dos maiores patrimônios culturais brasileiros. Entre as vertentes temos o samba de roda da Bahia, Rio de Janeiro, samba-enredo, o partido-alto e as escolas tombadas pelo Iphan.”.
As baianas
Dona Eni, Ala das Baianas do G.R.E.S. Império Serrano – RJ 2023. (Foto de Barbara Paula)
As baianas marcaram a história do empreendedorismo brasileiro, além de representarem a formação da matriz identitária nacional. Marcada pela resistência e miscigenação de povos africanos e indígenas escravizados, traz forte influência na moda atual e tendências que perduram do Brasil Império até hoje nas ruas, desfiles e festas como o Carnaval.
As saias rodadas e anáguas engomadas são inspiradas no estilo das senhoras portuguesas. Já os colares e pulseiras vêm da cultura africana; os turbantes, dos negros islamizados.
Os trajes das baianas são literalmente festas culturais e resultado da fragmentação da cultura afro-brasileira.
Escrito por: Bárbara da Silva Paula | Editado por: Letícia Virgínia