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Entrevista com Alice Coy, editora de moda da Vogue Brasil

“O papel do jornalista vai muito além da escrita”

Marina Pelegrini:

A primeira pergunta, na verdade, é para você contar um pouquinho desse começo da sua carreira, do seu interesse no jornalismo de moda. 

Alice Coy:

Ah, eu acho que eu sempre soube, porque eu sempre gostei disso. Eu não sabia que eu ia fazer jornalismo necessariamente, eu era mais super interessada por moda, na verdade. Quando eu fui prestar vestibular, eu estava super perdida e não sabia o que fazer, o que eu acho que é super comum também nessa idade e, enfim, eu acabei tendo uma oportunidade.

Eu pude fazer faculdade na Central Saint Martins, que é uma super faculdade e onde um monte de gente que eu admirava muito tinha estudado lá, então eu achava o máximo! Era o sonho da minha vida. E lá, primeiro, eu fiz um curso de comunicação geral, que é tipo um ano que você faz, meio de base, e nesse curso eu percebi que gostava de jornalismo.

Mas, na verdade, sempre foi uma coisa que eu amei muito, porque eu sempre fui super leitora, sempre gostei de ler jornal, gostei de ler revista… Eu sempre fui essa pessoa. Então super fazia sentido nesse contexto, porque acho que um levou ao outro e, se eu não fosse jornalista de moda hoje, eu com certeza seria jornalista de alguma outra área. No fim, isso era tipo uma vocação, o jornalismo era meio assim para mim.

Marina:

Complementando que você falou que estudou na Central Saint Martins, como foi essa experiência?

Alice:

É um curso super específico. A Central Saint Martins é uma faculdade muito específica. Ela segue uma linha de faculdades de artes, na Inglaterra, então eles têm uma outra metodologia de ensino. É muito você fazendo na prática. Tem pouca teoria e muita prática, tem muita troca entre os alunos. 

Então, você faz um trabalho e não é só o professor que julga o seu trabalho… Você tem um momento que todo mundo senta em uma mesa redonda, todo mundo junto. Isso toda semana, né? Cada trabalho é assim. Todo mundo senta e todos os alunos, todos os seus amigos vão falando o que eles acharam.

E as pessoas falavam as realidades, entendeu? Não era tipo amizade, era verdade. Então é um método de ensino muito específico, que eu acho que não é para todo mundo que funciona, mas para mim funcionou muito bem. Eu acho que é uma coisa que te ensina, você mesmo tem que ir atrás de tudo. Você tem que ir atrás da informação, você tem que ir atrás de descobrir como faz. É muito mais o aluno aprendendo sozinho, com apoio, do que com um professor falando. Eu tive poucas “aulas”, a verdade é essa, mas é isso, eu acho que para mim foi muito bom.

Ter essa troca com as pessoas foi muito legal. Um monte de gente que hoje trabalha na indústria são pessoas que eu estudei na faculdade. Enfim, é um método bem específico, mas eu acho que é muito bom. É muito legal. 

Marina:

Muito diferente, muito interessante essa metodologia, né? 

Alice:

É, a minha foi pouquíssimo teórica. Foi prática, prática, prática. Era, tipo assim, para você ter ideia: “semana que vem é a semana de moda de Londres, vocês vão ter que dar um jeito de cobrir essa semana. A gente não vai dar ingresso para vocês, não tem convite, a gente não tem porta de entrada para nada e vocês têm que ir nos desfiles. Não é para ficar cobrindo sem ir”. Então era, tipo, “nossa, sei lá como que eu vou fazer isso, né?”. Mas daí você ia lá e desenrolava de alguma maneira. Era super, hiper prático.

Eles eram muito duros também, muito bravos. Eu nem sei se é assim até hoje, porque era uma época diferente. Agora fazem oito anos que eu me formei. Era um outro tempo, mas eles eram muito duros, muito bravos. A gente passava horas na biblioteca.

Tinha vinte pessoas na minha turma, então era super concorrido de entrar e as pessoas que entravam queriam muito. Todo mundo era CDF. Ninguém estava lá meio de zoeira. A nossa vida era ficar na biblioteca. Eu chegava na biblioteca, sei lá, oito da manhã e ficava lá até dez da noite, pesquisando, procurando coisa. Você queria impressionar os seus amigos na hora de mostrar o trabalho, queria que alguém falasse “nossa, descobri uma coisa que eu nunca soube”. Então todo mundo era meio CDF, meio nerd.

Eu tinha essa vontade de descobrir tudo, ir em todas as exposições que estavam rolando em Londres e ver tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Isso é muito importante para qualquer carreira, mas para jornalismo é muito bom. A curiosidade é uma das melhores características que você pode ter como jornalista.

Marina:

Outra coisa que eu ia te perguntar também é que, antes de você trabalhar na Vogue, você também trabalhou na Women’s Wear Daily. Eu queria que você, se você puder, contasse um pouquinho dessa sua experiência na WWD, uma revista tão tradicional.

Alice:

É muito tradicional. É uma publicação americana, mas eles têm algumas versões. Essa de Londres é bem pequenininha, eu tenho um amigo que trabalha lá até hoje e são, não sei… Umas cinco pessoas. É pequeníssima, e eu comecei lá com um estágio.

Eu era estagiária, daí eu virei, tipo, “chefe dos estagiários”, porque tinha outros três. A gente fazia de tudo. O que eu mais fiz nessa época foi transcrever entrevista das editoras, que é uma coisa super maçante, e acho que hoje em dia ninguém pede mais, porque tem a IA que ajuda a transcrever.

Mas era uma coisa muito boa de fazer, porque eu ia percebendo como era o estilo de cada uma delas para entrevistar: tinha uma que era mais séria, outra que era mais quase que “paquerando” a pessoa, deixava a pessoa bem confortável e aí, às vezes, falava um pouco mais… Então eu ia vendo as maneiras de entrevistar, como elas faziam. E eu gostava muito de tirar a fita, na verdade, eu achava super legal. Depois eu gostava de ler a matéria para ver quais aspas elas usaram. Era uma super aula fazer isso. 

No escritório a gente recebia todos os jornais, ingleses e americanos – porque é americano, né? Chegava o New York Times, o Sunday Times, o Guardian, o Daily Mail, o Financial Times… Juro para você, deviam chegar 10 jornais todo dia de manhã. Eu chegava bem cedo, pegava todos os jornais, folheava todos, e tudo que pudesse ser de interesse para o WWD, ou para a gente de alguma maneira, eu grifava, recortava e deixava separado.

Então eu fazia uma ronda dos jornais, que também era uma coisa maravilhosa! Adoraria fazer isso hoje em dia, porque você vê como cada jornal cobre a tal notícia. Às vezes uma notícia que é uma chamada enorme em um jornal, no outro é só uma coisinha, sabe? É um rodapézinho. Isso também era muito interessante. Eu passei um bom tempo assim.

Depois, um pouco mais para frente, eu comecei a ser tipo uma “freela”, eu escrevia um pouco e tal, daí não eram essas funções tão de estagiário. Mas o tempo de estagiário foi o que eu mais aprendi, na verdade.

Marina:

Então você acabava até se atualizando sobre o mundo.

Alice:

Atualizava super! Eu sabia tudo o que estava acontecendo. Estava no auge da minha atualização. 

Marina:

Agora eu ia te perguntar um pouco mais sobre a sua trajetória na Vogue. Você entrou como repórter, depois editora assistente e depois editora de moda, certo? E nesses 6 anos, tem alguma matéria, alguma entrevista que te marcou muito?

Alice:

É, eu acho que muitas coisas me marcaram. Eu realmente acho que é um privilégio fazer o que eu faço. Eu amo entrevistar as pessoas, eu acho muito legal alguém confiar em você e te dar tempo, alguém que você admira te dar um tempo e você poder perguntar o que você quiser… É meio maluco, né? Eu já acho uma doideira e já me sinto muito privilegiada de poder exercer o jornalismo dessa maneira. Foram muitas as coisas que me marcaram. 

Recentemente eu entrevistei a Silvia Fendi, que eu nunca tinha entrevistado, e fiquei muito impressionada, porque ela é uma mulher muito inteligente e muito generosa. Eu acho que as melhores entrevistas são com pessoas que são generosas, que vão te responder de verdade, sabe? Hoje em dia tem muito media training, tem muita gente que tem as respostas já pré-pensadas na cabeça. É muito gostoso quando você sente que está conversando de verdade com alguém, e que não é uma coisa… Quase que um release versão falada. Isso me marcou.

Uma coisa que me marca sempre são as conversas da sessão “Diálogos”, que a gente colocou na revista há pouco tempo e é o maior orgulho, a gente gosta muito! São conversas; essa era uma sessão que não existia na Vogue e aí a gente começou a trazer pessoas de diferentes gerações pra conversar: um estilista com outro estilista, ou um fotógrafo com outro fotógrafo, um maquiador com outro maquiador, mas de gerações diferentes. Pessoas que, às vezes, se conheciam, mas nunca tinham conversado, ou não se conheciam e tinham algo em comum. Dali saem umas conversas que você fala “nossa, isso é incrível de ouvir”!

Acho que são trocas que engrandecem a nossa indústria, porque a gente consegue fazer pontes. Disso surgem amizades, um começa a ajudar o outro em alguma coisa de trabalho. O diálogo é uma coisa muito legal, porque, no fim das contas, a gente tem na Vogue uma missão de apoiar a moda nacional. E a gente faz questão, a gente se desdobra para apoiar, para ajudar todo mundo que sabe, divulgar tudo que a gente pode e eu acho que essa sessão ajuda de alguma maneira, porque ela dá uma fortalecida, ela cria pontes. Eu tenho muito orgulho dela.

Marina:

A última pergunta que eu tenho para você é mais sobre se você tem algum conselho para alguém que quer começar nessa indústria do jornalismo de moda, da redação, da produção desse conteúdo.

Alice:

Antes de qualquer coisa: é uma indústria super pequena, que todo mundo se conhece e que tudo muda o tempo inteiro, então, assim, é uma coisa meio besta, mas sempre seja muito educado com todo mundo. Trate todo mundo bem, porque é isso, é um ovo e as coisas giram rápido.

Conselho para jornalistas: você tem que sempre estar curioso e escutando. Eu acho que é um perigo você achar que já sabe tudo, você tem que ter muita humildade. Quando você estiver fazendo entrevista, tem que sempre lembrar que não é sobre você. Acho que tem muitos jornalistas que fazem entrevistas e parece que querem fazer uma pergunta que vai impressionar o entrevistado, e esse não é o seu papel. O seu papel não é impressionar o entrevistado. Inclusive, acho que os melhores entrevistadores fazem, às vezes, perguntas super banais ou idiotas… Perguntas que, muitas vezes, vem as melhores respostas. Então, tem uma coisa de humildade de você entender que não é para você se pôr mais do que o outro.

Acho que é isso, curiosidade e escutar. Você está fazendo uma entrevista? É muito difícil entrevistar as pessoas, porque você tem que escutar, digerir o que a pessoa está falando e já ficar pensando qual é a próxima pergunta. Às vezes tem um roteiro de perguntas e a gente quer perguntar, só que é uma conversa. Nas melhores entrevistas, a pessoa não fica presa em um roteiro. Ela escuta o que o outro falou para poder responder e criar um diálogo. Escutar mesmo o outro é muito valioso.

A última dica é: seja pontual, sempre. Seja pontual e responda aos e-mails. Entregue o texto no prazo, porque metade das pessoas não entrega. Se você fizer essas três coisas, nossa, já vai ter carreira.

Marina:

Muito obrigada, Alice!

Escrito por: Marina Pelegrini | Editado por: Maria Clara Machado

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