Amizade feminina como refúgio emocional e mental
A construção da rivalidade feminina
Em um mundo que há décadas nos faz acreditar que mulher compete com mulher, seja disputando beleza, sucesso ou atenção, tornou-se quase automático pensar que a rivalidade feminina é natural ou até inevitável. As capas de revistas, os comentários nas redes sociais e até os enredos de filmes e séries reforçam essa narrativa: mulheres constantemente colocadas em posições de disputa, defesa ou desconfiança. Mas e se essa história não fosse a única possível?
Durante gerações, fomos ensinadas a ocupar lugares de disputa. O patriarcado, aliado ao capitalismo, alimentou a ideia de que só existe espaço para uma mulher por vez; que a validação masculina define nosso valor; que confiar em outras mulheres pode ser arriscado, ingênuo ou até perigoso. Crescemos ouvindo que mulheres são rivais “por instinto”, quando, na verdade, essa rivalidade é uma construção social, feita para nos fragmentar, isolar e enfraquecer.
E se a narrativa fosse outra?
Mas e se, em vez de rivalidade, florescessem laços de apoio, cumplicidade e sororidade? E se conexões baseadas em empatia e confiança fossem a regra, não a exceção? É nesse lugar entre a narrativa que herdamos e a que podemos construir que nasce a verdadeira força das amizades femininas.
Surge então, uma pergunta: podemos realmente confiar no poder da amizade entre mulheres?
A resposta, segundo a psicóloga social Shelley Taylor, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), é um enfático SIM! Em seu estudo sobre respostas ao estresse, conhecido como “tend and befriend”, Taylor demonstra que os laços femininos desempenham um papel crucial na saúde física e emocional. Ao contrário do que dizem os estereótipos, mulheres não são naturalmente competitivas: elas são biologicamente e socialmente orientadas à cooperação.
Um escudo contra o adoecimento
A pesquisa revela que aquelas que mantêm redes sólidas de apoio emocional lidam melhor com situações estressantes, apresentam maior sensação de bem-estar e até vivem mais. Quando fortalecemos vínculos, regulamos emoções, reduzimos a produção de cortisol e estimulamos respostas fisiológicas que protegem o corpo, inclusive o sistema imunológico. Em outras palavras, relações de confiança entre mulheres podem funcionar como um escudo contra adoecimento físico e mental.
Taylor explica que, diante do estresse, muitas mulheres adotam comportamentos de cuidado, acolhimento e construção de comunidade. Fortalecer laços para enfrentar desafios coletivamente não é apenas uma escolha emocional: é uma estratégia de sobrevivência. Quando dividimos o peso de um problema, ele deixa de ser insuportável. Quando somos ouvidas, acolhidas e validadas, recuperamos energia para seguir.

Quem nunca recorreu a uma amiga depois de um dia difícil, de um término doloroso ou de uma crise inesperada? Mulheres não se isolam na adversidade, elas se procuram. Elas conversam, compartilham vulnerabilidades, trocam perspectivas, se sustentam emocionalmente. Cada amiga oferece uma parte do caminho, um gesto de cuidado, uma solução possível. E, em muitos momentos da vida, essas redes de apoio não apenas confortam: elas salvam.
A ruptura do ciclo
As amizades femininas se expressam em diferentes formas: Mulheres que se amparam durante o luto, o burnout ou a sobrecarga mental; Colegas que criam redes profissionais, trocando contatos e oportunidades; Grupos que se protegem em situações de violência; Mães que se apoiam no puerpério; Amigas que se ajudam a tomar decisões com mais segurança; Comunidades inteiras que se fortalecem em torno da ideia de cuidado mútuo.
Do ponto de vista da saúde, essas relações funcionam como um fator de proteção real contra o estresse crônico, a solidão, o declínio cognitivo e até doenças físicas relacionadas à sobrecarga emocional.
A boa notícia é que essa consciência tem se ampliado cada vez mais, especialmente entre as gerações mais jovens. Estamos vendo uma mudança na cultura: discursos de rivalidade feminina são cada vez mais questionados, padrões de beleza já não têm o mesmo peso, e a ideia de que “só há espaço para uma mulher” vem sendo rompida.
Filmes como Barbie (2023) ajudam a popularizar essa nova narrativa ao retratar a sororidade como uma poderosa estrutura de acolhimento, consciência e transformação social. Ao colocar o poder feminino no centro da história, a obra evidencia como a união entre mulheres é capaz de romper padrões opressivos, questionar expectativas impostas e construir novas possibilidades de existência.
Mais do que entretenimento, produções como essa reforçam a ideia de que quando mulheres se apoiam, compartilham experiências e agem coletivamente, elas não apenas se fortalecem individualmente, mas também ampliam sua capacidade de mudar o mundo ao redor, criando redes de afeto, resistência e mudança cultural.

Amizade feminina: um refúgio necessário
Mais do que tendência, esse movimento revela uma compreensão profunda: amizade feminina é refúgio. Refúgio emocional, psicológico, social e, como mostra a ciência, até biológico. Ter um grupo de mulheres com quem contar não é um detalhe da vida, é um componente essencial de saúde e longevidade.
No fim, a ciência e a experiência cotidiana convergem para a mesma conclusão: amizades entre mulheres não apenas fortalecem elas sustentam, protegem e salvam. E num mundo que tantas vezes tenta nos separar, escolher a união é um ato radical de autocuidado e de resistência.
Escrito por Moeisha Bastos | Editado por Ana Carolina Gomes


