Arquitetura afrofuturista: uma afirmação de identidade entre herança e futuro
Em uma população ainda desigual, a arquitetura afrofuturista propõe um novo olhar para o futuro
A fim de superar as desigualdades, a arquitetura afrofuturista mistura elementos da cultura tradicional africana em edifícios modernos. Assim, obras como as do arquiteto Diébédo Francis Kéré, vencedor do prêmio Pritzker, inspiram um novo olhar sobre a história africana.
O que é o conceito de afrofuturismo?
O conceito de afrofuturismo surgiu no início da década de 1990 em um ensaio intitulado Black to the Future, de Mark Dery. Para Lívia Faria, arquiteta graduada pela Universidade Federal de São João Del Rei, o termo foi criado com a “intenção de questionar a ausência de escritores e produtores negros nos meios artísticos”.
A ideia é repensar o futuro e criar uma narrativa diferente para a África e seus descendentes, em que os cenários sejam protagonizados por negros.
Além disso, independente da área aplicada, Lívia, que dedicou seu Trabalho Final de Graduação à intrínseca interseção entre Arquitetura Temporária e Afrofuturismo, conta que o objetivo é “resgatar a ancestralidade afro”, ligada à tecnologia.
Arquitetura afrofuturista
Assim como em outras manifestações artísticas, a arquitetura afrofuturista “não é só uma afirmação, mas um resgate”, diz Lívia Faria. Por isso, as técnicas escolhidas preservam tradições afro.
O uso de cores vibrantes, materiais naturais e formas orgânicas são fortemente explorados junto a tecnologias sustentáveis. Os projetos buscam minimizar o impacto ambiental, sem perder a eficiência.
O arquiteto Diébédo Francis Kéré, vencedor do prêmio Pritzker, é um dos destaques na arquitetura afrofuturista. Seus projetos são voltados, principalmente, para questões sociais.
Após se formar em Berlim, Kéré voltou a atenção para sua terra natal, a vila de Gando, em Burkina Faso. Além do local, suas construções também são encontradas em outros países como Benin, Mali, Togo, Quênia, Moçambique e Sudão.
Em entrevista para ao jornal O Globo em 2020, o profissional diz acreditar em um futuro com construções mais livres:
Porque, até hoje, os elementos africanos tinham sido negligenciados ou nem tinham sido considerados como arquitetônicos… Eu acredito que o Afrofuturismo já está começando e nós precisamos olhar cada vez mais para a África. Tem muita coisa ainda que não foi explorada, afirma Kéré.
Ademais, Lívia Faria reconhece trabalho de profissionais como Mariam Kamara, David Adjaye, Gabriela de Matos, Curry Hachett e Gisele de Paula como exemplos da arquitetura afrofuturista.
Wakanda como arquitetura afrofuturista
Mesmo que ficcional, o filme Pantera Negra trouxe a arquitetura futurista na idealização do país de Wakanda. O cenário computadorizado foi assinado por Hannah Beachler e conta com elementos do continente africano.
As fachadas futuristas apresentam texturas naturais e inspirações no continente, como os telhados de sapê das casas da Golden City. Em entrevista para ao Deezen, Hannah disse que a intenção era brincar coma as formas, criando edifícios de diferentes volumes e formas.
No filme, os círculos dispersos em todos os lugares simbolizam o conceito do ciclo da vida. Essas formas evocam a ideia de renascimento, morte e renovação, elementos ligados a cultura africana:
Era sobre misturar coisas que já existiam em muitas culturas africanas diferentes e depois criá-las como se tivessem evoluído ao longo do tempo e inserindo isso em nossa nação ficcional”, disse Hannah ao Deezen.
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Um presente ainda desigual na arquitetura
Apesar de repensar o futuro, a arquitetura afrofuturista também trabalha questões atuais. Bem como em outras áreas, o mercado de arquitetura no Brasil é mercado por desigualdade.
Segundo uma pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), em 2020, a porcentagem dos arquitetos e urbanistas se autodeclaram negros era 4,33%. Já a de brancos era de 78,14%. O levantamento do CAU/BR mostrou também que 27% dos profissionais desempregados são mulheres negras, e seu rendimento salarial é de R$ 3436,15, quase a metade do que um homem branco ganha.
Além dos dados divulgados, Lívia Faria destaca a falta de estudantes negros nas universidades: “é uma questão muito mais profunda”, diz a profissional.
A arquiteta é cofundadora do escritório Casa Garbô, Integrante do núcleo Minas Gerais, da rede Arquitetura D´Preto – Brasil, que busca avançar em seus estudos, e também participar de iniciativas que conectem arquitetura e questões raciais. Assim, apesar das melhoras e conquista de espaço, Lívia afirma que ainda é preciso melhora nesse cenário de desigualdade racial.
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Escrito por: Victória Abreu | Editado por: Clara Molter Bertolot
Um comentário
BARBARA DA SILVA PAULA
Apaixonada, por essa temática! Amo arquitetura e admiro muitoo trabalho de Diébédo Francis Kéré, gotaria de ter conhecido nomes como o dele durante a minha graduação em arquitetura. Temos poucos nomes femininos e menos ainda de arquitetos e arquitetas negras na grade curricular.