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Figurinos históricos no audiovisual: fidelidade vs apelo estético

Figurinos históricos no audiovisual sempre dão o que falar – e críticas dos fãs de história da moda a eles não costumam faltar. 

Mas há exceções em que esses anacronismos são bem-vindos?

Bom… a resposta para essa reflexão não é simples. Mas, para pensarmos à respeito, é preciso, primeiramente, definir algumas distinções: 

  • Figurinos históricos imprecisos por styling despreparado e sem pesquisa prévia adequada, e/ou baixo orçamento;
  • Experimentações estéticas que dialogam com a narrativa e contexto dos personagens;

O primeiro caso é onde se encontram os verdadeiros “erros”, pois decorrem de um despreparo e do desconhecimento da equipe de styling de determinada produção. 

Contudo, quanto ao segundo caso, em entrevista, Carlos Eduardo Pinto (doutor em História pela UFF e pesquisador de história da moda e audiovisual) defendeu o espaço para a liberdade criativa:

“A boa equipe é aquela que lê as personagens e, a partir de uma pesquisa bem realizada, cria referenciais estéticos para nos ajudar a compreender quem são as pessoas na tela. Também creio que, em um projeto muito bem amarrado, pode haver criações/fantasias que dialogam perfeitamente com os códigos de vestimenta de uma época.”

Exemplos de figurinos históricos mal executados:

O primeiro exemplo não poderia ser outro senão a polêmica série “The Tudors”:

Suas personagens se vestem constantemente mostrando muita pele no retrato de uma época em que a moda da corte era de saias e mangas amplas.

Além disso, o cabelo solto e/ou com ondas de babyliss – aspecto que está presente em muitas outras produções (infelizmente) – também traz ares de modernidade à corte inglesa de Henrique VIII.

Exemplo de figurinos históricos: pintura de Ana Bolena, figura histórica original retratada pela série The Tudors
Ana Bolena, rainha consorte da Inglaterra

Outra obra pesadelo para as nerds de história da moda é “Reign”, série cuja intenção era explorar a vida da Rainha Mary Stuart da Escócia, mas que acaba retratando adolescentes do século XXI que, parecem, caíram de paraquedas em um cenário do século XVI.

Novamente, os cabelos soltos e com ondas são um problema, mas o figurino por completo, em si, é simplesmente errado.

Observe está comparação entre a Mary de “Reign” e a Mary da vida real:

Exemplo de figurinos históricos: retratação da Rainha Mary Stuart, da Escócia na série The Reign
Personagem Mary em “The Reign” / Divulgação
Exemplo de figurinos históricos: pintura Rainha Mary Stuart, da Escócia, figura histórica original retratada pela série The Reign
Rainha Mary Stuart, da Escócia

Por fim, mais uma série polêmica, mas dessa vez por seu estilo “ame ou odeie”:

“Bridgerton”, que começou bem na primeira temporada com os vestidos de cintura alta e silhueta império, típicos da moda do período regencial, e a escolha do styling da Rainha Charlotte como uma mulher parada no tempo (apesar de alguns detalhes que poderiam até passar despercebidos).

Contudo, com o passar das temporadas, a inserção de visuais de maquiagem contemporâneos e até mesmo unhas postiças acabam interferindo na experiência do público, por quebrarem a suspensão da realidade.

Exemplo de figurinos históricos: falhas históricas no figurino da personagem Penelope da série Bridgerton
Personagem Penelope em “Bridgerton” usando unhas de gel e extensão de cílios / Divulgação

Segundo o pesquisador Carlos Eduardo, alguns erros comuns são, por exemplo, considerar que todas as pessoas se vestem da mesma forma – à medida que mesmo dentro de uma classe social há lugar para o gosto pessoal – e a falta de rigor que se tem com as mudanças de cada década, quanto mais distante no passado histórico a narrativa se ambienta. 

Além disso, ele discutiu a falta de desgastes nas roupas:

“Parece que todas as pessoas estão usando suas roupas pela primeira vez. O famoso ‘branco OMO’, que brilha na tela. Ora, mesmo pessoas de posses podem ter uma roupa um pouco amassada, uma manchinha eventual. Ao contrário, os pobres são sempre muito sujos e desleixados, como se não houvesse vaidade entre os despossuídos.”

Experimentações com propósito narrativo: 

Agora, falando de bons figurinos históricos, que ainda são anacrônicos, mas que têm lá seu charme:

Os filmes “Marie Antoinette” (2006), de Sofia Coppola e “Pobres Criaturas” (2023) e a série “The Great” (2020) são excelentes exemplos de experimentações e liberdade criativa usadas com propósito, e que utilizam dessas escolhas estéticas para construir uma narrativa visual, que apoia a construção de identidade e acompanha a evolução de suas personagens.

Exemplo de figurinos históricos: exemplo de experimentações e liberdade criativa usadas com propósito no figurino do filme Marie Antoinette (2006).
Filme “Marie Antoinette” de 2006
Exemplo de figurinos históricos: exemplo de experimentações e liberdade criativa usadas com propósito no figurino do filme Pobres Criaturas (2023).
Filme “Pobres Criaturas” de 2023
Exemplo de figurinos históricos: exemplo de experimentações e liberdade criativa usadas com propósito no figurino da série “
The Great (2020).
série “The Great” de 2020

Mas, o que determina se esses anacronismos serão bem recepcionados ou não?

Bom, segundo o historiador Carlos Eduardo, a sintonia do figurino com o todo da narrativa (fotografia, trilha, atuações, etc.) é importante para sustentar, criativamente, os anacronismos no audiovisual.

As consequências dos anacronismos no olhar do público:

O figurino de produções cinematográficas de época, portanto, não precisa necessariamente estar acorrentado à relatos históricos, mas, é necessário considerar o impacto que essas escolhas estéticas têm na construção do olhar do público sobre determinado período histórico.

Desse modo, o styling de um filme ou série pode sim moldar imaginários e/ou reforçar estereótipos e ignorâncias sobre momentos no tempo, ainda mais em um contexto social de letramento histórico defasado por grande parte da população. 

Contudo, o pesquisador e professor Carlos Eduardo faz uma importante ressalva quanto ao puritanismo estético:

“É preciso ter em conta que o papel principal do audiovisual não é educar (embora eduque), de modo que não podemos cair na tentação de cobrar o que não pode ser cobrado. Se a obra for anacrônica ou criativa demais, talvez o mais importante seja convidar as pessoas a refletirem sobre a linguagem cinematográfica.”

Escrito por: Carolina Coutinho | Editado por: Alice Maria

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