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Entrevista com Hanayrá Negreiros

Neste artigo, apresento a conversa que tive com a curadora e pesquisadora de moda, Hanayrá Negreiros. Membro do International Creative Advisory Council da State of Fashion Biennale 2026, Hanayrá possui um grande histórico de exposições voltadas a moda em diversos museus, como Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e Itaú Cultural.

Marina Pelegrini:

A primeira pergunta é, na verdade, pra você me contar um pouco sobre o começo da sua carreira, o que te inspirou a seguir como pesquisadora de moda e história têxtil? 

Hanayrá Negreiros:

Bom, primeiro, obrigada pelo convite! [risos] Fiquei super feliz que você queria saber um pouco mais da minha trajetória.

Eu costumo dizer que o assunto moda na minha vida tem muito a ver com a minha família, porque eu sou neta de costureira, sou neta de alfaiate, então desde muito nova essas referências estão na minha casa. Aí eu brinco até que eu acho que não teria uma outra profissão a seguir [risos]. Eu teria que fazer alguma coisa relacionada à moda, porque realmente é uma coisa que está muito dentro do meu universo, desde sempre. 

Então, eu sempre fui apoiada pelos meus pais, desde pequena, a seguir no caminho das artes, a desenhar, a fazer minhas próprias costuras. E eu sempre soube que eu queria fazer faculdade de moda. Então, quando eu me formei no colegial, eu prestei para a faculdade de moda na Anhembi Morumbi, passei e cursei quatro anos de negócios da moda. Durante a faculdade, eu confesso que eu não gostei tanto, acho que não seria nem tanto do curso, mas do universo ali, porque era um universo meio elitista e não tinham tantas referências negras. Eu não necessariamente esperava que tivesse, mas eu senti falta, sabe?

A gente ainda não tinha uma discussão sobre representatividade ou sobre questões decoloniais na moda, porque era 2010. Então, assim, a gente começou a pensar isso mais agora a partir dos anos de 2020, né? mas eu senti falta de histórias que tivessem a ver com a minha ancestralidade com a minha história, então eu me formei um pouquinho desanimada.

A grande virada foi a pós-graduação, porque eu estava ali depois de formada, entendendo com o que eu ia trabalhar, e eu resolvi tentar uma pós-graduação! Foi o mestrado na PUC de São Paulo, no curso de ciência da religião, que a princípio não tinha nada a ver com moda. Eu nem entendia muito bem direito o curso, mas por conta do nome eu fui estudando, e percebi que eu poderia estudar, o que de fato eu estudei, que era a relação das roupas com o candomblé, que é essa religião afro-brasileira que tem a estética, a vestimenta, é uma parte muito importante do ritual, né? E eu sou candomblecista, e fiquei apaixonada, assim, pelas roupas. E eu falei, bom, quero estudar isso.

Fui atrás, encontrei um orientador que foi o professor Enio Brito, que me recebeu super bem. E falou, vamos fazer. Eu falei: que legal! E comecei a fazer a minha pesquisa. Eu me encontrei como uma pesquisadora, de fato, na pós-graduação, com bolsa de mestrado. E comecei a desenvolver a pesquisa que resultou na dissertação “O Axé nas Roupas”, que fala sobre essa relação com o Redandá, que é o meu terreiro, né? Durante a pós-graduação eu fui descobrindo coisas, eu fui compartilhando um pouco nas redes, e eu comecei a receber alguns convites para compartilhar um pouco dos meus estudos.

Eu me formei há sete anos, em 2018, no mestrado, mas até hoje o assunto que eu trabalhei é um assunto que não é tão trabalhado. Então, na época, as pessoas queriam muito saber o que eu estava pesquisando, e eu comecei a dar palestras, a dar minicursos, e foi quando o MASP [Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand] me convidou para dar uma oficina, e depois para dar um curso de férias.

Então eu elaborei o curso, eu transformei a minha dissertação no curso em cinco aulas, e aí eu comecei a dar aula. Antes disso eu já tinha dado uma aula no Sesc Belenzinho.

Assim, eu me descobri professora e pesquisadora. Em 2019, eu continuei dando cursos, enfim, e em 2019 eu assinei a minha primeira curadoria, que foi no Instituto Moreira Salles, na Biblioteca de Fotografia, que foi uma exposição de livros de moda, moda e imagem, que trabalhava com questões negras, da diáspora. E aí eu fui me entendendo também como uma pesquisadora, professora, curadora, e fui fazendo algumas outras coisas.

Até que em 2021, o Adriano [Pedrosa, diretor de arte do MASP] me chamou para ser a terceira curadora do MASP Renner [Colaboração entre o Museu de Arte de São Paulo e a Renner em um projeto de elaboração de indumentárias, que foram adquiridas pelo Acervo do museu. O projeto contou com três temporadas, e diversas duplas de artistas e estilistas foram responsáveis por criar, ao todo, 78 obras], e aí era um projeto curatorial maior, com mais tempo, ia ter mais possibilidades de elaborar a curadoria, que é uma coisa que demanda bastante da gente, precisa de um tempo para pensar essa ideia da curadoria com responsabilidade.

Então, eu acho que eu sedimentei a minha trajetória profissional nesse lugar, a partir de 2021 com o MASP, e eu entendo que a curadoria e a educação, porque eu comecei a falar disso no nosso campo, que é o de estudos da moda, é um campo no Brasil que ainda tá crescendo, tá se formando, né? Então, eu comecei a fazer várias curadorias. Eu fiz Itaú Cultural, e fiz o State of Fashion Biennale, na Holanda. 

Marina:

A segunda pergunta que eu ia fazer pra você é justamente sobre o projeto MASP Renner, que você foi curadora de moda da terceira temporada. Eu queria que você falasse um pouquinho mais como foi esse projeto, como foi a sua participação. 

Hanayrá:

Foi um projeto muito legal! Quando o Adriano me chamou, eu falei: “Gente, que chique. Uau, venci.” [risos] Venci, consegui. Porque o MASP é esse museu com essa coleção incrível, e com super nome e essa relação do MASP com a moda é muito antiga, então fazer parte de um dos projetos de moda do MASP, é muito especial. Acho que todo profissional gostaria de trabalhar com esse projeto, porque ele é muito legal, e eu aprendi muito.

Eu acho que fazer a curadoria de maneira coletiva, então trabalhar com Adriano e com Leandro [Muniz, curador assistente da terceira temporada MASP Renner] foi muito legal, no sentido de trocas mesmo!

O Adriano já com uma super experiência como diretor artístico do MASP há tanto tempo e também já com experiência no projeto porque era a terceira temporada, e o Leandro também com uma super bagagem de pesquisa nas artes, também é artista, então trazia umas ideias muito legais! E a troca com as nossas duplas de artistas também foi muito bacana, pensar como é que a gente ia formar essas duplas, pensar o acompanhamento curatorial, que pra mim é a coisa mais legal da curadoria, é fazer o acompanhamento curatorial. A gente tinha as residências, eu ia acompanhando os artistas, e eu acho que essa é uma das partes mais legais, sabe? Eu acho que é muito legal quando a gente tem um ano e meio para pensar um projeto como foi o Masp Renner.

Trabalhar com cada dupla, entender como elas estavam se conhecendo, quais eram as propostas, a própria parte de formar as duplas, entender quem é com quem, os trabalhos que poderiam dar certo juntos, e pensar nessa formação da coleção de moda do museu como algo vivo. Então, a gente tem lá desde a década de 50, com os primeiros flertes do Museu com a Moda… e passa para 2021, que foi quando a gente começou a fazer a terceira temporada. E entender como é que se dava também questões de raça, de classe, de gênero, que eram questões que a gente gostaria muito que tivesse de fato refletido no processo curatorial e acho que a gente conseguiu, e aí resultou na exposição que foi linda, juntando as três temporadas. 

Hanayrá:

Eu também trabalhei na Elle como colunista! A gente começou a conversar no final de 2019. E aí, eu lembro que eu saí da reunião com a Suzana Barbosa, que é a diretora chefe, e me passou um filme na cabeça. Eu me lembrei exatamente do momento em que eu assisti “O Diabo Veste Prada”, em 2006, e eu saí do cinema com a minha mãe… saí decidida a fazer moda e a trabalhar com isso, e eu acho que eu tô num time de muitas outras pessoas que passaram por essa sensação! Eu acho que esse filme é muito importante, né? Com a formação de profissionais de moda.

Enfim, aí eu fui trabalhando para Elle muito feliz, porque eu tinha toda essa vontade e esse desejo de trabalhar com revista. Veio 2020, pandemia, mudou um pouquinho o nosso método de trabalho, mas foi muito legal, aprendi muito sobre editorial, sobre comunicação de moda, trabalhar com as pessoas mais próximas ali na redação foi muito legal, e eu acho que também abriu muitos caminhos para eu fazer outras coisas também, já que é uma revista de renome.

Foi muito legal e eu acho que me deu espaço também para trabalhar como pesquisadora, escrevendo na coluna as coisas que eu estava pensando, que tinham surgido da academia 

Marina:

Eu queria te perguntar também sobre a sua participação no livro da Erika Palomino, “Babado Forte”, a nova edição, lançada 25 anos após a original. Você foi uma das pesquisadoras da sessão de moda do livro, certo?

Hanayrá:

Sim, sim. Foi muito chique também [risos]. Eu e a Erika, a gente entrou juntas na Elle. Ela também era colunista. Eu sempre brinco assim “ah minha colega de trabalho é a Erika Palomino”. E aí ela me conheceu nessa turma. Enfim, a gente já tinha feito alguns trabalhos juntas um pouco antes do Babado ser reeditado. Quando ela trabalhava no CCSP, ela me chamou pra fazer um trabalho lá. Foi a primeira vez que eu falei com ela e eu fiquei… “Gente, como assim?” Porque eu, quando era adolescente, passava na frente da House of Palomino, que era agência dela, aqui em São Paulo. E eu passava e eu falava “gente, que lugar incrível!”. Érica é a ref das refs, né? Então, quando ela quis trabalhar comigo pela primeira vez, eu não fingi costume. E eu não finjo costume até hoje.

Quando ela me chamou pra fazer o “Babado Forte” junto com a Carol [Carolina Casarin, pesquisadora] a pesquisa, a gente não fingia costume. Então, assim, foi muito legal. E a Erika é uma pessoa muito legal de trabalhar, ela é super generosa, ela é assim uma papisa, sabe? Fazer a pesquisa para o livro foi incrível, fazer todas as reuniões, fazer os briefings… foi um super aprendizado. Foi muito, muito legal e o livro está lindo, continua super atual sabe? Acho que é isso, para essas gerações continuarem pensando moda a partir de uma outra perspectiva. Acho que o Babado Forte vem pra isso, sabe? 

Marina:

Você tem algum momento ou alguma parte da sua pesquisa que te marcou? 

Hanayrá:

Eu acho que todas, mas eu acho que concluir o mestrado foi o divisor de águas de tudo. 

Marina:

Qual conselho você tem pra alguém que deseja seguir com essa carreira, começando na área de pesquisa, ainda mais a pesquisa sobre moda e sobre história têxtil no Brasil, uma coisa ainda não muito valorizada?

Hanayrá:

Eu diria, acreditem nos temas que vocês gostam, acho que acreditar no que toca o nosso coração, sabe? E não se importar com o que tá na moda de ser pesquisado, no hype de ser pesquisado, mas porque fazer pesquisa é uma atividade que é muito laboriosa, demanda muito, você sabe, você também é pesquisadora. Então, às vezes fazer a pesquisa pode demorar, pode ser cansativo, então tem que fazer a pesquisa com um assunto que a gente realmente gosta muito. 

E acreditar, porque eu acho que tem espaço para todo mundo fazer as suas pesquisas. E o legal de ser um campo em expansão é que a gente tem a possibilidade de fazer muitas coisas ainda. Não é um campo saturado. Então eu digo só que acreditem nos temas. 

E eu acho que vale também, como conselho, conversar com as pessoas que de alguma maneira estão em lugares que você almeja estar, sabe? Nem que seja mudar uma mensagem, mandar um e-mail… Eu fiz muito isso, algumas pessoas não foram legais, mas a maioria das pessoas foram. Então eu acho que super vale também porque a gente vai formando a nossa rede. 

Marina:

Obrigada Hana!

Escrito por: Marina Pelegrini | Editado por: Flavia Cavalcante

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