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Narrativas que transformam: literatura negra e expressão do amor sáfico

O apagamento da vivência negra e do amor sáfico, no cenário literário, tem origem nos primórdios da literatura brasileira. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Brasília (UnB), publicada pelo Jornal da USP, compara publicações das principais editoras brasileiras, entre os anos de 1965 e 2014. O resultado mostra que homens compõem 70% do total de autores; dentre eles, 90% são brancos.

Desse modo, a literatura negra, principalmente quando retrata o amor entre duas mulheres, está fora do eixo de grandes publicações clássicas e do faro da mídia hegemônica, ou predominante.

Por esses e tantos outros motivos, podemos afirmar que o regime escravocrata deixou severas impressões na vida, cultura e costumes do povo negro. Os colonizadores portugueses, ao traficarem os africanos ao Brasil, os forçaram a se encaixar e, assim, dissiparem a literatura afro-brasileira ao redor do território.

Narrativas afro-brasileiras que marcam

Sob o mesmo ponto de vista, no início do século XX, época em que a população brasileira queria apagar o antecedente escravocrata, autores decorriam em suas escritas transtornos causados por três séculos de escravidão. Lima Barreto, principal escritor do pré-modernismo brasileiro, por exemplo, aborda questões socioeconômicas, de cor e gênero em sua obra ‘Clara dos Anjos’, de 1922.

O livro conta a história de Clara, uma mulher negra que mora no subúrbio do Rio de Janeiro. Ao longo da trama, Cassi Jones, um homem branco e de família rica, seduz e abandona a protagonista grávida à sua própria sorte. O final tem caráter realista e antirromântico, além de ser uma das primeiras narrativas a discutir e expor o preconceito racial no país.

O trecho destacado do livro “O avesso da pele”, escrito por Jeferson Tenório. A obra foi censurada em março de 2024, na cidade de Santa Cruz do Sul (RS).

Imagem: Reprodução/Amazon

Narrativas raciais.

Por dentro da literatura negra e sáfica

Conheça Olívia Pilar, escritora brasileira negra e bissexual

Inesperadamente, tivemos a oportunidade de entrevistar a escritora Olívia Pilar, que carrega consigo visões sobre ser uma mulher negra e bissexual na sociedade e na literatura afro-brasileira.

“Olívia Pilar é escritora, mestra e doutoranda em Comunicação Social pela UFMG. Busca trazer representatividade para suas histórias, que têm protagonistas negras e garotas que gostam de garotas. Autora de “Um traço até você” (Intrínseca, 2023), “Entre estantes” e outras histórias.”


O racismo à brasileira sempre foi cruel e raramente velado, mas, depois das eleições, a violência contra eles tinha ficado ainda mais escancarada e ninguém escondia o repúdio para com os nossos.

Trecho retirado do conto “Quando o Sol Voltar”, de Olívia Pilar.

Foto: Tarcila Guedes – Fotografia de Olívia Pilar.

A entrevista

Sendo mulher, negra e LGBTQIAPN+, como foi se encontrar na literatura?

O processo de me encontrar na escrita sendo uma mulher negra e bissexual tem dois lados, na verdade. O lado escritora e o lado eu, Olívia apenas. Acho que os dois andam juntos, mas como escritora sou responsável por passar adiante histórias que podem inspirar outras pessoas. Já como apenas Olívia, me encontrar na literatura é estar do outro lado, esperando histórias que vão me confortar e completar.

Como escritora, foi bem natural. Voltei a escrever histórias literárias com protagonistas negras e que gostam de garotas, e isso pareceu muito certo na época (e ainda é). Então, continuei. No começo, era uma forma de me colocar no mundo, porque também queria contar para outras pessoas que eu havia me entendido como uma mulher bissexual. Agora, ser escritora dessas histórias já faz parte de mim.

Como leitora, já foi um caminho mais difícil. Aos poucos fui descobrindo livros com protagonismo sáfico ou com mulheres negras, ao mesmo tempo que esses livros começaram a ter mais espaço no mercado editorial.

Qual o sentimento que mais te impacta, quando ocorre o reconhecimento das suas obras?

Gratidão. Ser escritora no Brasil, sendo negra e bissexual, não é fácil. Então, saber que existem leitores que se importam com minhas histórias, que se sentem abraçados ou que tiram um tempinho para conhecer minhas personagens, é incrível. Não acho que sucesso tem relação apenas com vendas, mas também com ter suas obras lidas. Nem sempre os números importam muito; às vezes, sua história vai alcançar uma única pessoa que precisava tanto dela que tudo valeu a pena.

A expressão de amor que expandiu

Afinal, como exatamente surgiu a palavra “sáfica” para se referir ao amor entre duas mulheres? De acordo com a revista Marie Clarie, o termo é originário da poetisa grega Safo, que vivia na Ilha de Lesbos por volta dos anos de 600 a.C. Suas poesias retratam o amor entre mulheres, a sociedade e o gênero.

Pintura de Safo – Reprodução: Domínio público

No entanto, ainda não se sabe ao certo qual a origem de narrativas com expressão do amor entre duas mulheres pretas, ou encontrar o primeiro livro escrito e/ou publicado sobre essa temática.

Desenvolvimento do senso crítico na literatura negra e sáfica

Através de redes sociais, como o YouTube e o TikTok, leitores formam, cada vez mais, senso crítico acerca de pautas raciais dentro do universo literário. A mesma coisa acontece em plataformas sociais como o Skoob e o Goodreads, que permitem comentários e análises de livros.

Não é diferente com os livros da temática sáfica, já que, especialmente na internet, existe mais voz e espaço para debater sobre o assunto. Em resumo, há várias possibilidades de construir as suas teses.

@_caviana

Você, mulher negra lésbica, se sente representada na literatura brasileira? Pode-se afirmar que há escritos sobre mulheres negras, e mulheres lésbicas em suas individualidades. Entretanto, quando o assunto se volta para a representação da mulher negra e lésbica, a quantidade de material cai drasticamente, e comumente tais figuras são tratadas como exóticas, consolidando estereótipos. Por outro lado, Conceição Evaristo em suas escritas, cumpri com excelência o papel fundamental de, representar, positivizar, enaltecer, dignificar personagens que historicamente e estruturalmente foram discriminadas. 🖤 #literaturabrasileira #negra #pravocesaber

♬ som original – Caviana
Vídeo: TikTok/@_caviana – Caviana, criadora de conteúdo de Goiânia (GO), tangenciou sobre o tema “mulher negra e lésbica na literatura”, em seu vídeo – Conforme o seu perfil, que também oferece tópicos sobre cultura, religião, negritude, entre outros.


Vídeo: Youtube – A criadora de conteúdo baiana, Maria Ferreira, traz as suas impressões sobre a narrativa do livro “Um traço até você”, de Olívia Pilar; sobretudo, os conceitos sobre a ascensão social negritude.

Para além do território brasileiro, a visibilidade de autoras negras e LGBTQIAPN+ estrangeiras, como Audre Lorde, ativista e escritora estadunidense, e Angela Davis, filósofa e professora, também é importante. Contudo, ter esse olhar mais sensível e dedicado às obras brasileiras de representatividade vai além do destaque e atinge graus de identidade para milhares de mulheres negras da comunidade.

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