Do cinema às redes sociais, o female gaze redefine narrativas visuais e coloca a sensualidade feminina como expressão autônoma e livre do olhar masculino
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Female Gaze: a estética para o olhar feminino

Dos cinemas às redes sociais, o female gaze redefine narrativas visuais e coloca a sensualidade feminina como expressão autônoma e livre do olhar masculino

O termo female gaze surgiu como resposta ao male gaze, expressão consagrada pela crítica e teórica britânica Laura Mulvey nos anos 1970. Quando publicou seu ensaio “Prazer visual e cinema narrativo”, em 1975, ela apontou que a maioria das produções cinematográficas apresentavam personagens femininas através da lente do desejo masculino. Esse olhar reduzia as mulheres a objetos de contemplação, mais do que sujeitos de ação.

Enquanto o male gaze moldou a mulher a partir do desejo masculino, o female gaze propõe outra perspectiva. Com narrativas visuais construídas por mulheres e para mulheres, em que a feminilidade e a sensualidade não servem como objeto de validação, mas como afirmação de identidade.

Entre estereótipos e sexualização: o legado do male gaze

Em 2023, o relatório It’s a Man’s (Celluloid) World, de Martha Lauzen, revelou que apenas 38% dos 100 filmes de maior bilheteria tinham protagonistas femininas. Além disso, mulheres ocupavam apenas 35% dos papéis falantes — “speaking roles” — nos filmes de destaque, comparado com 37% no ano anterior.

Em 2024, houve paridade entre protagonistas femininas e masculinas nos filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos, segundo o USC Annenberg Inclusion Initiative. Entretanto, mesmo com esses avanços significativos, muitas personagens femininas continuam limitadas a estereótipos visuais ou narrativos.

Na indústria dos games, por exemplo, a sexualização de personagens femininas permanece significativa mesmo com as mulheres sendo líderes no consumo de jogos eletrônicos no Brasil. A estética ainda privilegia a ênfase no corpo: busto, tronco, quadril são destacados. Enquanto isso, atributos menos “visuais” ou relacionados à personalidade ou complexidade narrativa recebem menor atenção.

O female gaze surge justamente como reação a essa lógica. Ele desloca o foco: não se trata apenas de inverter o olhar, mas de criar uma linguagem visual que reflita experiências, desejos e sensibilidades femininas.

O female gaze como linguagem artística na indústria de entretenimento e tendência viral no ambiente digital

Se no cinema contemporâneo já é possível observar obras que traduzem essa mudança – como os filmes das diretoras Greta Gerwig, Céline Sciamma ou Sofia Coppola –, nas redes sociais o movimento ganhou força graças a plataformas como TikTok e Pinterest, que se tornaram vitrines para criadoras de conteúdo que produzem estéticas direcionadas a outras mulheres.

Adèle Haenel e Noémie Merlant em “Retrato de uma Jovem em Chamas” (Portrait of a Lady on Fire), longa de Céline Sciamma que se tornou referência do female gaze no cinema contemporâneo.
Divulgação: © Pyramide Films

Nesses espaços, fotos, vídeos e ensaios circulam sem a necessidade de corresponder a expectativas masculinas. O corpo e a sensualidade permanecem presentes, mas agora em registros de liberdade e experimentação.

Na música, artistas como a estrela pop em ascensão Sabrina Carpenter vêm explorando o olhar feminino em seus videoclipes, reforçando que a sensualidade pode ser leve, divertida e construída sob uma ótica de autonomia. 

Embora já tenha recebido críticas por adotar uma estética considerada “muito sexual”, Sabrina já afirmou em entrevistas que suas escolhas visuais e performáticas são pensadas para dialogar com outras mulheres e que ela se orgulha de ser confiante ao expressar a sua própria sexualidade.

Sabrina explora a sexualidade em suas letras e videoclipes. Fonte: YouTube @sabrinacarpenter

Mais do que estética: female gaze é narrativa e política

Falar em female gaze é reconhecer que não se trata apenas de enquadramentos visuais, mas de narrativas que reposicionam a mulher como sujeito. Essa mudança questiona o sexismo estrutural presente nas imagens que consumimos e abre espaço para representações mais complexas e plurais.

Ao deslocar o centro do olhar, o female gaze propõe novas possibilidades de imaginar, representar e viver a feminilidade – de forma autônoma, criativa e política.

Não se trata de substituir uma narrativa por outra, mas de ampliar o campo de visões possíveis e oferecer às mulheres o direito de se reconhecerem em histórias que partem de si mesmas.

Kirsten Dunst em “Maria Antonieta” (Marie Antoinette), filme de Sofia Coppola que ressignifica a estética feminina no cinema histórico e é amplamente referenciado como um ícone do female gaze.
Divulgação: © Columbia Pictures

Escrito por Mayla Shiva | Editado por Giovanna Té Bassi

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