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Cinema,  Moda

Entretenimento e processos criativos na moda

Demonstrando a forte ligação das artes e a criatividade na moda, para sua última coleção Resort, Christopher Kane se inspirou na fotógrafa estadunidense Nan Goldin. Ele e sua irmã, Tammy, assistiram a All the Beauty and the Bloodshed, documentário desta que combina fotografias inovadoras dos anos 1970 e 1980 com imagens de sua campanha de protesto contra o patrocínio da família Sackler – donos da Purdue Pharma, empresa farmacêutica cuja principal droga é o opióide Oxycontin. Dessa forma, perceberam que a conexão entre as forças da super-riqueza em uma ponta da sociedade e os mais carentes na outra estava fortemente presente nas roupas. 

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Entretanto, foi a visão dos vestidos de coquetel, lingerie e vestidos desconexos usados pelos amigos de Goldin que ressoou. “A razão pela qual eles pareciam tão incríveis em sua escassez é que eles usavam roupas de segunda mão e descartadas pelos ricos – alta costura, roupas de grife dos anos 1940 e 1950“. Para eles, isso se encaixa com suas memórias de infância e adolescência, onde viam a privação das comunidades na conturbação pós-industrial de Glasgow em que cresceram. “As pessoas mais pobres são as mais bem vestidas. Sempre dissemos isso.”

Política, artística, cinematográfica, ou qual seja a história contada por um designer, em quase todas as Fashion Weeks presenciamos o cinema, música ou a literatura pelo olhar de algum estilista, por exemplo. Ela homenageia esta ou aquela obra com o tema principal durante o desfile, reinterpretando os figurinos ou reproduzindo algumas cenas.

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Raf Simons encontrou consolo e inspiração criativa na música. Quando não estava pesquisando subculturas globais, o estilista passava seu tempo livre vasculhando as lojas de discos locais. Contudo, um álbum em particular ficou com ele: o grande lançamento de Kraftwerk em 1978, The Man Machine. Em 1998, Simons decidiu homenagear diretamente o grupo com seu show Radioactivity, encenado no grandioso Moulin Rouge de Paris. Ele passou a maior parte da década de 1990 formulando um projeto de design enraizado no estilo de rua, alfaiataria afiada e referências subculturais. Mas a música estava rapidamente se tornando o fio condutor de seu trabalho.

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A estética do final dos anos 1970, do filme Christiane F., também já foi o ponto de referência para a coleção FW18 de Raf Simons. Além disso, Replicants, de Blade Runner, também foram utilizados pelo designer como homenagem.

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Ademais, Julien Dossena, diretor criativo da Paco Rabanne, inspirou-se no monumental Mulholland Drive para a coleção FW19. Dirigido por David Lynch, o filme acompanha a vida de uma jovem que, após sobreviver a um acidente de carro na Mulholland Drive, perde a memória. Em seguida, emerge uma narrativa neo-noir surreal que segue os esforços da personagem para juntar as peças de sua vida misteriosa. Dossena imaginou o cenário do show como um saguão luxuoso de hotel, em uma terra de fantasia onde “só passa quem você quer conhecer”. Como resultado, a coleção consistia em estampas art déco, detalhes animalescos em vestidos decadentes, capturando uma sensação muito lynchiana de glamour exagerado.

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Já entre as inspirações da coleção SS 94 de Galliano, estava um artigo na edição de janeiro de 1993 da Vanity Fair. O artigo explorou a descoberta dos ossos Romanov, a ausência da jovem grã-duquesa Anastácia e o DNA que os conecta ao Príncipe Philip, Duque de Edimburgo. Além de Anna Karenina de Leo Tolstoi, O Piano de Jane Campion e corte viés de Madeleine Vionnet dos anos 1920. Na verdadeira tradição de Galliano, uma narrativa se estabeleceu firmemente do começo ao meio e ao fim, com as modelos se tornando atrizes e as roupas atuando como figurinos, guiando dramaticamente o público por uma odisséia fantástica de romance e história.

Além disso, Virginia Woolf e seu romance Orlando também inspiraram coleções da Fendi, Givenchy e Burberry

“As coleções precisam de uma história”, diz Ian Griffiths, diretor criativo da Max Mara. Tanto a moda quanto a arte ocupam um fetiche pela fantasia dentro de nossas mentes, e elas se cruzam para informar uma à outra de maneiras nas quais não paramos para pensar com frequência. Assim como um designer pode seduzir nossos sentidos, um artista pode criar elementos que ressoam com nossas faculdades mentais e nos colorem com fascínio. Do mesmo modo, esses mesmos ingredientes alimentam alguns dos visionários contemporâneos da moda, através dos processos criativos de uma coleção – o que tem se tornado frequente.

É uma história sobre como um conjunto complexo de práticas criativas pode ceder e guiar para outro. Oferecendo um ao outro um novo sopro de vida, a moda e esses elementos podem moldar e informar uns aos outros, fornecendo forma e estrutura, apesar de serem meios radicalmente diferentes.

Escrito por: Louize Lima | Editado por: Carolyne Ferreira

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