A Ilusão do Feminismo: Os Papéis Femininos nos Quadrinhos
O que fazer quando sua mídia favorita é consumida por homens? Será que, realmente, é apenas consumida por homens?
Em 1994, em um lançamento do Lanterna Verde de Kyle Rayner, a DC cria, sem querer, o que foi chamado de “mulher na geladeira” (ou “women in refrigerators”). Gail Simone, criadora do termo, observou as histórias de alguns heróis cuja motivação de vingança surge quando sua namorada ou esposa é morta pelo vilão. Dessa forma, Simone chama atenção ao fato de que a brutalização de mulheres ocorre como um gancho para histórias de homens, deixando uma questão curiosa do porquê somos tratadas de forma tão amarga.
Considerando que os quadrinhos de heróis ficaram mais populares por conta das produções cinematográficas; que mulheres representam 31% dos leitores; e que 35% dos autores de quadrinhos também são mulheres, surge a dúvida: por qual razão nossa representação ainda é tão rasa?

Imagem de Lanterna Verde V3, capítulo 54.
Por anos, autores colocaram as mulheres em arquétipos que viraram clássicos de tanto que foram utilizados. Entre eles, estão a donzela em perigo, femme fatale, líder inspiradora e amorosa, ou, como dissemos antes, a namorada morta.
As personagens femininas eram interesses amorosos ou estavam sempre com roupas de látex, com seios apertados. Enquanto isso, os homens salvavam pessoas em becos e vielas, e as mulheres apareciam para um beijo romântico ou para lançar uma frase de efeito qualquer, com serventia apenas no final da história.
É comum, inclusive, que personagens femininas sofram com violências sexuais, físicas ou psicológicas, como forma de “evolução de personagem”, como ocorreu com Bárbara Gordon em A Piada Mortal. Com os anos, isso foi sendo desmistificado, apesar de ainda ocorrer bastante.

Imagens retiradas do Google.
A aparição da Mulher-Maravilha
Em 1941, presenciamos o nascimento da Mulher-Maravilha, pelas mãos de William Marston e sua esposa, Elizabeth Marston. Uma heroína que surgiu do barro, criada pela Rainha Hipólita e que ganhou o dom da vida pela Deusa Afrodite. Seu sucesso estrondoso rendeu uma revista exclusiva no ano seguinte.
Por fim, tínhamos uma heroína criada apenas para nós, mulheres, sermos representadas, e, ainda melhor que isso, sem a presença de homens em sua origem. Nas palavras de Marston, seu criador: “Diana é a líder ideal”.
Contudo, conforme os anos passaram, Diana ganhou novas motivações de inúmeros autores e desenhistas. Adquiriu diversas personalidades divergentes de sua origem, e sofreu com autores que sequer tiveram carinho para trabalhar sua história. Até que, em 2017, a Mulher-Maravilha ganhou um filme… O que não significou muito, pois apesar do protagonismo feminino, o longa gira em torno de um homem, dando a falsa ilusão da representatividade feminina.
Mulheres parecem não merecer esse espaço ocupado por homens, mesmo que sejam sempre uma peça fundamental nas histórias. É como tentar pertencer a um grupo onde não fomos convidadas, e quando somos, é para escutar alguma piada misógina.

Imagem retirada do Google.
A misoginia no mundo dos quadrinhos
Apesar de mulheres serem uma porcentagem significativa na compra de quadrinhos e consumidoras de filmes de heróis, não souberam trabalhar suas histórias ou aproveitar suas personalidades. Constantemente sofremos com comentários de homens, somos taxadas como ingratas ou histéricas por exigirmos minimamente uma história respeitável com nossas heroínas favoritas. Ou apenas que não sejam brutalizadas, com a desculpa de que serve para a “evolução da personagem”.
A violência dentro das páginas, narrada por autores como Alan Moore, Grant Morrison, Tom King, entre outros autores conhecidos por seu modus operandi de descaracterização, hipersexualização, violação, violência ou vilanização de personagens femininas, acaba vindo para seus leitores, que não poupam esforços para transformar qualquer crítica vinda de uma mulher em um deboche. Assim, fazem com que não tenhamos direito de reclamar, mesmo sabendo o quão desagradável é ser representada como um degrau para um homem. Pior ainda: ser representada com medo de que aquela personagem seja brutalizada.
O problema não está apenas em heroínas femininas dentro dos quadrinhos, mas em seus filmes também. É o caso da Viúva Negra, em Homem de Ferro 2, em que Natasha aparece apenas como um objeto de desejo masculino, com roupas apertadas e movimentos de combate impraticáveis, irrealistas e totalmente fetichistas.
Jon Favreau, diretor do filme, fez questão que Natasha trocasse de roupa e ficasse de sutiã na frente de seu personagem, Happy Hogan. Além disso, ela tem uma cena executando um golpe de luta em seu personagem, mostrando que não apenas não souberam desenvolvê-la, como também colocaram Natasha em um dos papéis mais conhecidos pelo público: o da femme fatale.

Imagem retirada de Homem de Ferro 2.
Apesar de mulheres escreverem quadrinhos de personagens femininas, e consumirem essa mídia, isso não evita que sejamos vítimas do patriarcado, quando tudo que é feito por nós é chamado de “ruim” pelo público masculino, ou sempre rebaixado em comparação ao trabalho de um dos homens que tanto amam escrever e desenhar o sofrimento feminino.
O questionamento que resta é: quando seremos ouvidas para sermos representadas?
Escrito por: Katherinie Macelli / Editado por: Maria Clara Machado
